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| Frans Floris. Personificação da Astrologia. |
2. Santo Afonso Maria de Ligório não afirma outra coisa, senão “É lícito: [...] 5. Astrologia natural, que prevê efeitos corporais e naturais, como ventos, eclipses, fertilidade, saúde, doenças e similares, que são propícios à medicina ou à agricultura; de fato, mesmo quando prevê probabilisticamente a compleição do corpo e os afetos da mente a partir do ponto de nascimento ou do horóscopo. Porque todas essas adivinhações são naturais e utilizam meios proporcionais.” (pág. 263), referindo-se às ciências que inexistiam naquele momento enquanto suas nomenclaturas contemporâneas, como se vê pela meteorologia, astronomia, climatologia e especialidades médicas e psicológicas. Mas ele não para numa única forma, pois “Outra é a Astrologia natural, que prevê chuvas, tempestades, esterilidade da terra e coisas semelhantes, e isso não é ilícito, [...], embora seja em grande parte inútil e incerto.” (pág. 263), nitidamente se referindo ao aferimento meteorológico, que até agora segue como ele bem disse. Adiante, revela que “Outra é a judicial, que prevê contingências futuras a partir de sinais nas estrelas que dependem da vontade dos homens, e isso, se feito em relação a uma pessoa em particular, é ilícito, [...]; mesmo que, não como uma certeza, mas como uma conjectura ou probabilidade, isso seja feito a partir da constituição de Sisto V, Moderador dos céus, ano de 1586, onde até mesmo aqueles que ousam afirmá-lo sem certeza ou protesto são condenados. Mas consideram lícito se for feito em geral, por exemplo, se guerras, sedições etc. forem previstas.” (pág. 263), comentada na sequência junto com essas outros juízos: a) “Assim diz São Tomás [de Aquino]: Muitos homens seguem as paixões, às quais os corpos celestes podem cooperar. Mas poucos são os que resistem às paixões [Ia PARS, q. 115, art. 4]. E assim os astrólogos, como em muitas coisas, podem verdadeiramente prever, e sobretudo em geral, mas não em particular.” (pág. 263); b) “A questão então é se a astrologia é permitida, a qual prevê a partir do horóscopo e o ponto de vista de quem prevê as inclinações e temperamentos de uma pessoa. Distingue-se, pois se prevê como algo concreto, é certamente ilícito, visto que todas as coisas são incertas. [Autores] geralmente consideram que é apenas um pecado leve [...]. Mas prevê apenas probabilisticamente ou conjenturalmente, é lícito.” (pág. 263).
3. Portanto, segundo Santo Afonso Maria de Ligório, admite-se como existentes as astrologias voltadas às previsões genéricas (lícitas) que não são adivinhações determinísticas (ilícitas) — o que é bastante subjetivo. Porém, como ele alude Tomás de Aquino (1225-1274), santo e doutor da Igreja, não faz mal algum checar o que é dito na Suma Teológica sobre essas coisas: Suma Teológica (Ia PARS).
Questão 115: Da ação da criatura corpórea.
Art. 4 — Se os corpos celestes são causa dos atos humanos.
(IIª IIae, q. 95, a. 5; II Sent., dist.. XV, q. I, a. 3; XXV, a. 2, ad 5; III Cont. Gent., cap. LXXXIV, LXXXV. LXXXVII; De Verit., q. 5, a. 10; Compend. Theol., cap. CXXVII, CXXVIII; I Pheriherm., Iect. XIV; III De Anima, lect: IV; VI Metaphys., Iect. III; In Matth., capo II).
O quarto discute-se assim. — Parece que os corpos celestes são causa dos atos humanos.
1. — Pois, esses corpos, sendo movido: pelas substâncias espirituais, como já se disse, agem como instrumentos, pela virtude delas. Ora, tais substâncias são superiores às nossas almas. Donde resulta, que podem causar impressão nestas e, portanto, serem causa dos atos humanos.
2. Demais. — Tudo o que é multiforme depende de princípio uniforme. Ora, os atos humanos são vários e multiformes. Logo, dependem dos movimentos uniformes dos corpos celestes, como do princípio.
3. Demais. — Os astrólogos frequentemente advinham sobre os acontecimentos bélicos e outros atos humanos, cujos princípios são o intelecto e a vontade. Ora, tal não poderiam fazer se os corpos celestes não fossem causa dos atos humanos. Logo, eles são tal causa.
Mas em contrário, diz Damasceno: os corpos celestes não são de nenhum modo causa dos atos humanos.
SOLUÇÃO. — Os corpos celestes podem diretamente e por si impressionar os outros corpos, como já se disse; nas potências da alma humana, porém, que são atos de órgãos corpóreos, causam impressão, direta, mas acidentalmente; pois, os atos dessas potências são necessariamente obstruídos pelo obstáculo dos órgãos; assim, os olhos torvos não vêm bem. Por onde, se o intelecto e a vontade fossem virtudes ligadas a órgãos corpóreos, como ensinaram alguns, dizendo que o intelecto não difere do sentido, daí necessariamente resultaria que os corpos celestes são causa das eleições e dos atos humanos. E, por consequência o homem agiria por instinto natural, como os animais, que lhe são inferiores e que, tendo as virtudes da alma ligadas a órgãos corpóreos, sempre agem naturalmente, por impressão dos corpos celestes. E daí a conclusão que o homem não teria livre arbítrio, mas seria determinado nas suas ações, como os outros seres naturais. Conclusões manifestamente falsas e contrárias à linguagem humana.
Deve-se, pois, saber que, indiretamente e por acidente, as impressões dos corpos celestes podem influir sobre o intelecto e a vontade, enquanto aquele e esta recebem algo das virtudes inferiores, ligadas a órgãos corpóreos. Mas, relativamente a isso, o intelecto se comporta diferentemente da vontade. Pois, recebe os seus dados, necessariamente, das virtudes inferiores; por onde, turbadas as virtudes imaginativa, cogitativa ou memorativa, necessariamente há-de turbar-se a ação do intelecto. A vontade, porém, não segue necessariamente a inclinação do apetite inferior. Pois, embora as paixões do irascível e do concupiscível, exerçam certa influência para inclinar a vontade, contudo esta conserva o poder de as seguir ou combater. Por onde, a impressão dos corpos celestes, na medida em que podem imutar as virtudes inferiores, alcança menos a vontade, causa próxima dos atos humanos, que o intelecto. Admitir, pois, que os corpos celestes são causa dos atos humanos, é opinião própria dos que dizem que o intelecto não difere dos sentidos. Assim, um deles dizia: a vontade dos homens é tal qual o pai dos homens e dos deuses a causa, cada dia. Ora, como é certo que o intelecto e a vontade não são atos de órgãos corpóreos, impossível é sejam os corpos celestes a causa dos atos humanos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As substâncias espirituais, que movem os corpos celestes, agem por certo sobre as corpóreas, mediante tais corpos; mas sobre o intelecto humano agem imediatamente, iluminando, embora não possam imutar a vontade, como já se estabeleceu.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como a multiformidade dos movimentos corpóreos se reduz, como à causa, à uniformidade dos movimentos celestes, assim a multiformidade dos atos do intelecto e da vontade se reduz ao princípio uniforme, que são o intelecto e a vontade de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A maior parte dos homens seguem as paixões, movimentos sensitivos do apetite, para as quais podem concorrer os corpos celestes; ao passo que são poucos os prudentes, que resistem a tais paixões. E por isso os astrólogos, na maioria dos casos, podem predizer a verdade; e, sobretudo, em comum. Não, porém, em especial, porque nada impede que um homem, com o livre arbítrio, resista às paixões. Por onde os próprios astrólogos dizem que o homem prudente domina os astros na medida em que domina as paixões próprias. 4. Diante das razões desses dois santos e doutores da Igreja, onde o mais recente (Ligório) se embasa no anterior (Aquino), parece lógico afirmar que poderiam ser compatíveis o catolicismo e a astrologia. Contudo, ambos não foram coevos dos graves empenhos (neo)pagãos às mudanças culturais que nem mesmo a ciência pôde escapar.
5. Muitos autores contemporâneos, dedicados à astrologia, não têm respaldo no Aquinate para suas conclusões ao abordarem seus aspectos históricos, inclusive sobre a Idade Média, embora seja possível encontrar em trabalhos como “Os Astros nos Acompanham”, de Claudia Lisboa, tentativas disso ao dizer: “Nas obras de São Tomás de Aquino, é possível encontrar trechos que mostram essa posição medieval clássica que admitia a influência dos astros, sem considerá-la determinante ou fatal.” (pág. 37) — o que não é mentira, embora sem apontar no trabalho do Doutor Angélico as considerações necessárias para isto, pois, como se vê, trata-se de um conteúdo nitidamente complexo pelo simples fato de se ver uma das questões sendo tratada em um único artigo, quando outros tantos seguem necessariamente ao entendimento. Sue Merlyn Farebrother em “Astrologia Sem Segredos”, tratando do histórico do medievo, assevera que “Um dos mais notáveis defensores cristãos da astrologia nessa época foi Tomás de Aquino.” (pág. 30), expandindo esta inferência ao continuar expondo que “Aquino propôs um argumento que, na época, proporcionou uma solução ao dilema. Ele disse que o corpo humano era afetado pelas estrelas e pelos planetas, mas a alma era sujeita à vontade de Deus. Afirmou que era responsabilidade de cada um escolher o bem e resistir aos efeitos negativos das estrelas.” (págs. 30-31). Também, sem nem referenciar, apresentou conclusões que somente cativam as paixões de desavisados, pois, afinal de contas, como seria possível os planetas influenciarem o corpo sem partir para alma, se os dois, conforme o Catecismo da Igreja Católica (conferir os pontos do 362 ao 368), compõe a unidade do homem? Como dito antes, tanto Santo Afonso Maria de Ligório como São Tomás de Aquino não poderiam predizer problemas como aqueles advindos do espiritismo kardecista (surgido em meados do século XIX), onde, para Allan Kardec (1804-1869), espirito e matéria possuem distinções, motivo pelo qual toda doutrina espírita é anticristã no sentido de que se opõe à razão salvífica em Jesus Cristo ao adotar as aspirações hinduístas sobre os ciclos de reencarnação. Assim sendo, como fica essa questão em termos de influência astrológica? Quem põe um fim nisto será logo visto adiante, depois de passar por outros pormenores consideráveis.
6. Farebrother, inclusive, continua sua locução “tomista” dizendo que “Isso era aceitável o suficiente [aquela suposta solução atribuída ao Aquinate] para se tornar a posição oficial da Igreja, mas teve o efeito não intencional de aumentar a popularidade da astrologia nos séculos seguintes.” (pág. 31). Tese que serve, como dito aqui no blog, para engabelar os desavisados, pois “Existiam, contudo, como ainda existem, cristãos conservadores que não admitiam a astrologia. A astrologia sempre atraiu censura de certas partes da comunidade religiosa.” (pág. 31). Cada qual traz algo novo, como se vê em “História da Filosofia Oculta”, de Sarane Alexandrian, que por sua vez remontando a Renascença, logo cita Marsílio Ficino (1433-1499) e Giovani Pico della Mirandola (1463-1494), complicados personagens já conhecidos neste Enquirídio pelas inclinações astrológicas, além do desaforo a respeito do suposto “mapa astral” do Papa Paulo III (1468-1549), feito por Luca Gaurico (1476-1558), cujo fato poderia até ser tido como correto pela enorme verossimilhança no relacionamento de incentivo artístico e científico que manteve aquele Romano Pontífice com o talentoso Michelangelo di Lodovico (1475-1564) e o genial Nicolau Copérnico (1473-1543). 7. Do ponto de vista científico, certamente qualquer referência apontada indicará o caráter improvável da astrologia, motivo pelo qual retorno às acepções de sacerdotes católicos, que, dentre alguns, Dom Estêvão Tavares Bettencourt, O.S.B., merece destaque por seu trabalho “Crenças, Religiões, Igrejas & Seitas: Quem São?” (quarta edição), sobretudo ao evidenciar claramente que horóscopo “[...] é a previsão do curso da vida de uma pessoa, baseada — como dizer os astrólogos — no posicionamento de certos astros por ocasião do nascimento. Consequentemente, para estudar o horóscopo temos que saber o que vem a ser astrologia.” (pág. 153). Também assegura que “São Tomás de Aquino (+1274) admitia certa influência dos astros sobre o caráter dos homens — sem aceitar, no entanto, divindades estranhas e o determinismo de um destino cego.” (pág. 155). Ele bem lembrou o fenômeno da precessão, que por causa disso, crianças que nascem sob uma constelação de Leão pode, na verdade, receber os atributos de Câncer. Adiante, abordou um caso no mínimo chocante a respeito da imprecisão astrológica: “Em agosto de 1968 a revista Science et Vie, sem revelar nomes, mandou as datas, horas e lugares de nascimento de dez grandes criminosos a uma firma que fazia estudos de personalidade e previsões. Um desses criminosos era o Marcel Petiot, médico executado em 1946 por ter assassinado 27 pessoas que lhe haviam pago vultuosas quantias para serem ajudadas a fugir para a América do Sul durante a ocupação da França pelos alemães; elas foram parar num quarto secreto da casa de Petiot, onde ele matava suas vítimas e dissolvia seus corpos em cal viva. Eis o oráculo do computador sobre o horóscopo de Petiot: ‘Bem ajustado socialmente, decente e de bom senso moral... Destaca-se por seu delicado e sensível amor à humanidade... Altruisticamente dedicado... O amor pelo seu lar e pela sua intimidade são prioritários para ele’. Os horóscopos dos outros criminosos eram ainda mais disparatados, se é que isso é possível...” (pág. 156). Talvez os traços de personalidade do indivíduo retratado sejam mesmo compatíveis, o que lhe é devido ao menos um diagnóstico de psicopatia, daqueles que bem disfarçam suas características em proveito de prazeres sádicos, embora mesmo essa noção atual passe por muitas modificações em decorrência de um mundo cada vez mais cruel. Entretanto, aproveitando o gancho inicial deste parágrafo e retomando certo raciocínio, se há cristãos (leia-se católicos) avessos ao posicionamento de Farebrother atualmente, talvez seja válido questionar se existem aqueles que concordam com ela respectivamente sobre conservadores que não admitem as aparentes verdades astrológicas — sejam essas quais forem. Ao certo, ao menos um santo mais atual, que já foi papa, põe-se contra isso tudo de forma exata e segura.
8. São João Paulo II ao promulgar o Catecismo da Igreja Católica em 1992, deixa claro: “[...] A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenómenos de vidência, o recurso aos ‘médiuns’, tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.” (CIC 2116). Recorda-se de maneira oportuna que em uma primeira citação da “Teologia Moral”, de Santo Afonto Maria de Ligório, neste artigo, não foram postos os pontos antecedentes à astrologia, no intuito de manter o cerne da questão, embora abordasse a licitude da quiromancia, “[...] que considera o temperamento do corpo a partir das linhas e partes das mãos, e até conjectura as probabilidades das inclinações e afeições da mente.” (pág. 262). Neste ponto, pouco ou nada se pode fazer para manter as paixões acesas tendo em vista o que diz o Magistério da Santa Igreja, ainda que não proíba ou torne expressamente pecaminosa as referidas práticas, exceto se se prestar atenção naquilo que foi colocado no Concílio de Toledo (400 d.C.), conforme o “Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações da Fé e Moral”, de Henrici Denziger: “Se alguém julgar dever crer na astrologia e na matemática, seja anátema.” (pág. 78).
9. Entre todas as explicações, aquela que melhor define a forma de pensar de um cristão se atinge no livro “Jesus de Nazaré”, de Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), quando no volume um, relativo à “A Infância de Jesus” (edição única da Minha Biblioteca Católica), expõe: “Gregório Nazienzeno diz que, no próprio momento em que os magos se prostaram diante de Jesus, teria chegado o fim da astrologia, porque a partir de então as estrelas teriam girado na órbita estabelecida por Cristo. No mundo antigo, os corpos celestes eram considerados forças divinas que decidiam o destino dos homens. Os planetas têm nomes de divindades. Segundo a opinião de outrora, aqueles dominavam de alguma forma o mundo, e o homem devia procurar pôr-se de acordo com tais forças. A fé no único Deus, testemunhada pela Bíblia, bem cedo realizou aqui uma desmistificação, quando a narrativa da Criação, com magnífica simplicidade, designa o Sol e a Lua — as grandes divindades do mundo pagão — “luzeiros” que Deus mantêm suspensos, juntamente com toda a série das estrelas no firmamento celeste.” (pág. 78). Poder-se-ia finalizar este artigo pela oração inicial do parágrafo, mas eis que “Ao entrar no mundo pagão, a fé cristã devia enfrentar novamente a questão das divindades astrais. Por isso Paulo, nas cartas do cativeiro aos efésios e aos colossenses, insistiu fortemente no fato de que Cristo ressuscitado venceu todo o principado e potestade do ar e domina o universo inteiro. Nessa linha se situa também a narrativa da estrela dos Magos: não é a estrela que determina o destino do Menino, mas o Menino que guia a estrela. Caso se queira, poder-se-ia falar de uma espécie de guinada antropológica: o homem assumido por Deus — como aqui se mostra no Filho Unigênito — é maior do que todos os poderes do mundo material e vale mais do que o universo inteiro.” (págs. 78-79). Por fim, por que mirar nos astros se Jesus Cristo é o único ponto certo sobre todas as constelações? Para referenciar esta postagem: ROCHA, Pedro. Catolicismo e Astrologia. Enquirídio. Maceió, 02 nov. 2025. Disponível em https://www.enquiridio.org/2025/11/catolicismo-e-astrologia.html.
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