27.11.21

O Deus dos Muçulmanos

Existe um único Deus, mas não uma única visão sobre sua existência. Somente nas religiões surgidas de Abraão, apenas duas concepções prevalecem: semítica e cristã. Mesmo havendo três religiões abraâmicas, somente um único grupo se destaca, qual seja, os cristãos, rejeitados pelos judeus, muçulmanos e cismáticos.
Oração da Noite
Jean Baptist Huysman. Oração da Noite.
1. Antes de começar a transmissão de qualquer informação, nossa Santa Igreja não deseja nem aprova que nos segreguemos enquanto seres humanos, criando rupturas por diferenças, mesmo que religiosas, motivo pelo qual devemos tratar os judeus, muçulmanos e cismáticos como irmãos, mesmo que deles não tenhamos a recíproca. Somente Nosso Senhor é digno de julgar, quanto à nossa gente, digna-se ao seguir sua doutrina. Ressalvas realizadas, enquanto homens e mulheres em passagem no plano terreno, limitados aos contextos revelados em certos tempos, dentro de determinados espaços, preocupamo-nos com coisas que nos obriga a ponderar, ao menos em cuidado com aqueles mais desavisados, principalmente por nos aproximarmos de religiões diferentes com pouca ou nenhuma instrução a respeito delas, como é o caso do islamismo.

2. Entender o Deus dos muçulmanos requer entender a própria história, sobretudo a complexa transmissão cultural entre povos, incluindo os aspectos religiosos. Desde os tempos mais remotos, quando na região mesopotâmica os deuses ainda existiam, ao menos em poemas gravados em tabletes de argila, também havia pessoas que mantinham suas tradições independentemente da forma de Estado, naqueles tempos, politeísta. Cabia ao soberano a determinação dos deuses – quando esses mesmos não assim o eram. Relatos apontam para culturas que mantiveram suas próprias formas de sobreviverem aos conflitos entre nações, assim como ocorreu entre sumérios e acádios, originando uma espécie de hibridismo civilizatório (sumério-acádio), notadamente sobrevindo o modus operandi semítico em apartado, caracterizado desde sempre através do sistema financeiro baseado no empréstimo como fonte de lucro e nítido isolamento social. Apenas para demonstrar o poder dessa gente, segundo Federico Mella, autor do livro Dos Sumérios a Babel, os semitas ocidentais (amoritas provenientes do deserto sírio-árabe, certamente) foram responsáveis pelas revoltas em Ur, incluindo sua consequente sucumbência em aproximadamente 2.000 a.C., quando pouco antes Abraão por Deus foi mandado para Canaã, onde hoje predomina Israel. Frederico Mella indica naquela obra sobre a subversão dos semitas à substituição ou apropriação da tradição e língua, incluindo as divindades, dizendo que naquela altura (terceira e última dinastia de Ur) somente os anciãos e sacerdotes preservavam o híbrido cultural sumério-acádio.

3. Abraão, depois de deixar Ur, esteve em estadia em Harã, curiosamente uma cidade de passagem de caravanas, conhecidamente por ser santuário dedicado ao deus-lunar Nana (representado pela crescente acima da cabeça nos registros sumérios-acádios, cuja grafia, assim como de outras divindades, era precedida pelo sinal distintivo Dingir). Neste ponto, apenas como paralelo histórico, embora existam controvérsias, figurava como divindade superior no panteão árabe o deus-lunar, conhecido por ‘Iliumguh (significando ‘Il é poderoso) tal como era ‘Ilah. Conforme Dom João Evangelista no livro O Deus dos Semitas, dentro das línguas semíticas, referenciar “Deus” dependia da raiz comum ‘l, ‘ilu (em acádio), ‘el (em hebraico) ou ‘ilah (em árabe), donde deste último, quando contraído junto ao artigo (al) se lê al-ilah ou “Allah”. Todas essas formas de grafia do nome para Deus foram originadas dos desdobramentos que remontam os textos sumérios-acádios, anteriores aos hieróglifos egípcios, segundo alguns historiadores.

4. Verdade que Abraão não cultuava esta divindade, mas uma diferente, embora um panteão semítico seja patente naquela época, inexistindo, portanto, consenso a respeito de qual Deus adorar, exceto pela memória ancestral (quando se reverenciava a divindade dos pais, avós ou mesmo cidade natal). Mesmo os árabes noutros temos, anteriormente ao Islã, cultuavam por ora deusas como Lat, Ozzâ e Manât, embora pudesse haver um Deus de referência, conforme o próprio profeta deixa claro no capítulo “A Aranha” do Corão (29,61-65):

5. “E se lhes perguntam: Quem criou os céus e a terra e submeteu o sol e a lua? Eles respondem: Deus! Então, por que se retraem? Deus prodigaliza e restringe a subsistência a quem Lhe apraz, dentre os Seus servos, porque Deus é Onisciente. E se lhes perguntas: Quem faz descer a água do céu e com ela vivifica a terra, depois de haver sido árida? Respondem-te: Deus! Dize: Louvado seja Deus! Porém, a maioria é insensata. E que é a vida terrena, senão diversão e jogo? Certamente a morada no outro mundo é a verdadeira vida. Se o soubessem! Quando embarcam nos navios, invocam Deus sinceramente; porém, quando, a salvo, chegam à terra, eis que (Lhe) atribuem parceiros”.
6. Através dessa tentativa sintética de resumir o contexto histórico, sobretudo na ideia de gerar interessados no assunto ao invés de afirmar tudo como verdade absoluta (lembrando que mesmo a arqueologia não parou de escavar essas possibilidades), percebe-se no semitismo a dificuldade no estabelecimento da divindade apropriada ao monoteísmo, uma vez que não possuía de certo um único nome para encerrar a questão, enquanto sobrou aos árabes pré-islâmicos e hebreus pré-judaicos o prefixo das divindades, possivelmente todas advindas do panteão sumério-acádio, sobrando “Elohim” para estes e “Allah” para aqueles, primos-irmãos em sequência histórico-cultural. Inclusive, “Elohim”, termo formado pela raiz comum ‘El, aparece nesta forma quase 2.600 vezes no Tanah (Antigo Testamento), embora também se possa conferir variações como “Eloah”, “El” e “Elim”, confirmando quão difícil era estabelecer um Deus (ou afirmá-Lo). Porém, parece que todos os nomes, apesar das narrativas e controvérsias geradas pelas interpretações, referenciam uma potência única, suprema, dando a entender que diferem das correntes que desejam tornar os deuses astronautas que habitaram a Terra e legaram os seres humanos como descendentes inferiores em espécie, donde Anu, Enlil e Ea-Enki, tríada do panteão sumério-acádio, formariam a verdadeira trindade, apesar das próprias gravações antigas revelarem entidades mais primordiais como Apsu e Tiamate, esta última derrotada pelo famoso Marduk, consagrado divindade superior após esse evento, embora tenha caído em desgraça, culturalmente falando, quando se perpetuou como Baal (apesar de alguns atribuírem a Enlil) ou Belzebu ao constar entre as famigeradas entidades da Clavícula Menor de Salomão, obra de derivação semítica.
a) Deus jamais precisou de filho para resolver qualquer necessidade; b) Deus nunca quis descendentes como sucessor ou mantenedor de cultura e tradição; c) Deus jamais precisaria de filho para provar seu poder.
7. Apesar dos pesares, observando o entroncado desdobramento, mesmo assim através de resumos sintetizados, absurdamente diminuídos na possibilidade de gerar um mínimo contexto para início de conversa, parece que muçulmanos, contrariando até mesmo os últimos empenhos ao diálogo, datados do pontificado de São João Paulo II, passando pelo emérito Bento XVI, chegando ao Papa Francisco, insistem em tratar de Jesus Cristo, mesmo não entendendo, conforme apontado, quem é “Allah”. Wissan Issa, Sheikh na Arresala ou Centro Islâmico no Brasil, organização para difusão do islamismo no país, abordando naquela época o nascimento de Nosso Senhor, lançou um artigo para demonstrar como desconhece Deus, apresentando uma resposta equivocada para pergunta por ele mesmo formulada para desvirtuar aquilo que jamais conseguirá, sequer, imaginar. Destacando inicialmente o trecho do capítulo nove “O Arrependimento” do Corão (9,30), onde Maomé, profeta do Islã, pede para Deus combater os cristãos desviados por tratarem o Messias por Seu filho, embora tenham se contido ao usarem o equivalente a “salvador” ao invés do nome de Nosso Senhor. Comedimento? Esperteza, talvez, apesar do Sheikh deixar claro as intenções no texto, que por fim, realiza levantamentos aqui resumidos em algumas afirmações: a) Deus jamais precisou de filho para resolver qualquer necessidade; b) Deus nunca quis descendentes como sucessor ou mantenedor de cultura e tradição; c) Deus jamais precisaria de filho para provar seu poder. Primeiramente, deixando para outra oportunidade qualquer biografia sobre Maomé, embora exista uma boa, escrita pelo Pe. Júlio Maria de Lombaerde, também sem necessidade alguma de rebater os pontos elencados, perceber-se-á, infelizmente, pouco ou nenhum levantamento teológico por parte do Sheikh da história e contextos religiosos que precedem a própria crença. Talvez desconheça literaturas para além do Corão, mesmo árabes-muçulmanas (lembrando que nem todos os muçulmanos são árabes), embora tal comportamento seja previsível. Assim sendo, realmente, Deus, Quem tudo pode, enviou seu filho Jesus Cristo, assim como havia prometido, conforme profetizado, separando a Sinagoga da Igreja, assim como libertou do faraó aqueles que uma vez estiveram com Moisés, igualmente, ordenou Abraão que deixasse Ur em direção a Canaã, lembrando que resolveu também salvar a humanidade do dilúvio ao instruir Noé sobre a construção da arca, permitindo seu descendente, Sam, aquele que originou os semitas. Certamente, disso o Sheikh já sabia, embora tenha, quem sabe, utilizado seus conflitos humanamente paternais para exemplificar algo supra-humano.
8. Todavia, situação realmente incômoda advém da declaração do Sheikh Wissan Issa: “se simplesmente o fato de Jesus ter nascido sem um pai causou tanto espanto e usar este milagre como argumento para alegar que ele foi o filho de Deus, então o que dizer a respeito de Adão que nasceu sem pai e sem mãe, pois foi criado e feito de barro”. Incomoda que não lhe sobrevenha ao raciocínio que absolutamente tudo seja somente uma única coisa, proveniente do mesmíssimo mistério e tendo a única fonte: Deus. Verdade que ele não desmente o milagre do nascimento virginal, porém, desconfia dos cristãos que apenas seguem Nosso Senhor, incluindo sua doutrina, sendo ainda julgados pelos muçulmanos por seguirem fielmente as palavras do redentor, embora o Sheikh, finalizando suas considerações, rogue a Deus para seguir e caminhar conforme a doutrina dos profetas, praticando suas palavras, incluindo, evidentemente, Jesus Cristo, considerado profeta comparável a Maomé no mundo islâmico. Incômodo é continuarmos flagrando as hipocrisias disseminadas no âmbito religioso, porém, amenizadas em proveito da ignorância daqueles que sabem menos, inclusive pelo Sheikh nunca ter pretendido dizer aquilo que escreveu, salvo para honrar o sunismo que deturpa o Corão em decorrência de conflitos antigos. Sejamos claros: ninguém vai ao Pai senão por Ele. “Se me conhecêsseis, também certamente conhecereis meu Pai; desde agora já o conheceis, pois o tendes visto” (Jo. 14, 7). Roguemos ao Sheikh as palavras do “profeta”, Nosso Senhor, quando colocou: “tomais meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina” (Mt. 11, 29).

9. Ressalta-se oportunamente que existem sunismos diversos, sendo o islamismo uma religião de muitos segmentos que mantém conflitos históricos entre tendências dentro da própria ramificação sunita, lembrando que também existem muçulmanos xiitas, descendentes diretos de Maomé, embora no mundo sejam minoria. Como dito anteriormente, ninguém da nossa gente precisa se precipitar contra religiosos islâmicos, muito menos judeus, quando possuem problemas passados não resolvidos, diferentemente dos cristãos ao aceitarem aquele que foi por ambos rejeitado. Façamos por onde a Santa Igreja estar sempre aberta, acolhendo mesmo quem a rejeita, sendo essa a doutrina do Nosso Senhor.
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. O Deus dos Muçulmanos. Enquirídio. Maceió, 27 nov. 2021. Disponível em https://www.enquiridio.org/2021/11/o-deus-dos-muculmanos.html.

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