4.5.23

Breve Dossiê Sobre a CNBB

Quando uma entidade como a CNBB ou Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, como deve ficar clara, desdobra-se em ambiguidades, pouca ou nenhuma surpresa causa, uma vez que São João Paulo II em 1986 já havia, através de carta direcionada, tornado a situação evidente, nada mudando de lá para cá.
Raúl Berzosa. Retrato de São João Paulo II.
1. Antes de expor a finalidade da CNBB, assim como está no Código de Direito Canônico, incluindo a exposição da ambiguidade que lhe parece ser própria, deve-se observar sua atuação, como de fato acontece na atualidade, através daquilo que ela mesma produz, mesmo contra si. Em 21 agosto de 2019, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, quatro meses depois de eleito presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, constituiu um “Grupo de Análise de Conjuntura” (ético-social e/ou ético-política) para as ações evangelizadoras acontecerem “de maneira encarnada”, embora expresse também que tais produções não representam necessariamente o pensamento dos bispos. Ambíguo?
2. Segundo o Cân. 447, dispondo sobre as funções pastorais exercidas em conjunto pelos bispos para favorecerem os fiéis de um território, devem promover “o maior bem que a Igreja oferece aos homens” (seria uma análise de conjuntura?), donde os apostolados são ajustados às circunstâncias do tempo e espaço. Mesmo a CNBB em 2018, depois de tanta polêmica causar ao tentar se esquivar das ambiguidades que ela mesma tem provocado, precisou explicar que não faz parte da Hierarquia da Igreja, que não tem poder sobre os bispos; apenas o Papa o possui. Nisso que afirma, resta agora entender se atende ao Código de Direito Canônico, mas não antes de trazer outra questão ambígua.
3. Através da Assembleia Extraordinária do CELAM ou Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho, realizada de 11 a 14 de julho de 2022 em Bogotá, Colômbia, parece que não existem dúvidas de que os ideais da CNBB é colocar fim naquilo que chama por clericalismo, que por definição trata de um tipo de poder do clero no âmbito social, econômico, político etc. Acontece que sequer uma acepção concreta do que se poderia designar por clerical é possível diante das ambiguidades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, uma vez que Dom Walmor Oliveira de Azevedo, utilizando de todas as atribuições que lhes são próprias, quais sejam, arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da mencionada Conferência Episcopal (naquele tempo), comunicou (ou assim tentou) em 28 de outubro de 2022, vésperas do segundo turno eleitoral para Presidência da República do Brasil, algumas palavras que mui bem coadunaram com expressões midiáticas da época como “livrar o povo brasileiro do ódio”, referindo-se ao sentimento que opositores afirmaram que foi implantado no país pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, convidando os eleitores a realizarem reflexões sobre “coerência com o Evangelho” e fazendo um derradeiro alerta sobre idolatria a políticos. Acontece que idolatrar o candidato da oposição talvez não fosse parte dos termos do comunicado, uma vez que seu encontro com Luís Inácio Lula da Silva em agosto de 2021 deve ter sido bem anticlericalista, como se vê na matéria da Carta Capital, escrita cautelosamente por sua editora-executiva para evitar maiores ambiguidades, pelo visto.
4. Em 14 de abril de 2023, visando promover “o maior bem que a Igreja oferece aos homens”, resolve a CNBB divulgar uma “análise de conjuntura” denominada “Os Grandes Desafios da Sociedade Brasileira”, recheada de referências oriundas de mídias que lutam contra posições conservadores, maiormente católicas, quais sejam, “Poder 360”, “Carta Capital”, “G1” etc. Ao longo de 45 páginas de completo desalinhamento do combate ao clericalismo, nota-se de longe a defesa realizada aos primeiros meses de governo petista, como se fosse um tipo de satisfação ao ídolo político daquele “Grupo de Análise de Conjuntura”, que não representa necessariamente o pensamento dos bispos, mas que tem seu conteúdo autenticado por uma espécie de sistema de verificação digital próprio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Ou seja: pia, mas não é pinto; mia, mas não é gato. Como dito, seria maior omissão de socorro ao catolicismo brasileiro não questionar se as ações dessa Conferência Episcopal ainda refletem suas atribuições canônicas ou se já se perderam no meio do caminho entre tantas ambiguidades, que não são atuais, como se sabe, uma vez que São João Paulo II já havia feito o alerta para todo povo católico do país em 1986.
5. Pelo teor constante nos pontos iniciais, São João Paulo II deixa claro que sua carta decorre de anseios eclesiológicos levantados pelos bispos da Conferência Episcopal ao qual se dirigiu. Permita-se fazer uma breve leitura do segundo parágrafo do segundo ponto: “[...] Pois não foram os Senhores mesmos que, nas diferentes etapas da Visita ad limina, deram forte ênfase à eclesiologia, afirmando explicitamente que no fundo dos problemas mais sérios, que enfrentam os Bispos, está uma questão eclesiológica e que a solução dos mesmos problemas passa forçosamente por uma justa e bem fundada concepção da Igreja?” – e a partir daqui o Santo Padre se sentiu no dever de acentuar os traços fundamentais da verdadeira Igreja de Jesus Cristo, dizendo que ela, antes de tudo, consiste em um mistério, que não pode ser definida e interpretada a partir de categorias racionais (sócio-políticas ou outras), e que a sua missão é evangelizar mediante o dialogus salutis essencialmente religioso. Poderia encerrar a questão aqui mesmo, mas não ser ler o trecho depois.
[...] não cabe à Igreja como tal indicar soluções técnicas para os problemas temporais, mas iluminar a busca dessas soluções à luz da fé [...].
6. “Pôr isso mesmo faz parte da missão da Igreja preocupar-se, de certo modo, das questões que envolvem o homem do berço ao túmulo, como são as sociais e sócio-políticas. Condições de justeza no exercício desta parte delicada da sua missão evangelizadora, são, entre outras: uma nítida distinção entre o que é função dos leigos, comprometidos por específica vocação e carisma nas tarefas temporais, e o que é função dos Pastores, formadores dos leigos para as suas tarefas; a consciência de que não cabe à Igreja como tal indicar soluções técnicas para os problemas temporais, mas iluminar a busca dessas soluções à luz da fé; uma práxis no campo sócio-político deve manter-se em indefectível coerência com o ensinamento constante do Magistério.” (Carta do Papa João Paulo II aos Bispos da Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil de 09 de abril de 1986).

7. No parágrafo transcrito é possível, pelo que disse o Santo Padre, satisfazer até mesmo o problema do clericalismo, que não parece ser qualquer novidade, embora na concepção da CNBB este deva servir quando convir – e o que não convém é restringir seus serviços à evangelização, quando prefere a técnica da “análise de conjuntura” ético-social (ou ético-política), devidamente autenticada, diga-se de passagem, embora o problema devesse ser uma questão eclesiológica. Adiante, refletindo os desdobramentos dos sistemas seculares, sobretudo financeiros, quais sejam, capitalismo e o coletivismo ou capitalismo de Estado (socialismo ou comunismo, noutros termos), expressa: “[...] Deus os ajude a velar incessantemente para que aquela correta e necessária teologia da libertação se desenvolva na América Latina, de modo homogêneo e não heterogêneo com relação à teologia de todos os tempos, em plena fidelidade à doutrina da Igreja, atenta a um amor preferencial não excludente nem exclusivo para com os pobres”. Somente neste último trecho da carta é possível perceber o problema da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, quando se revela de forma incontestável, pois, além de fazer divisões no catolicismo do país, relativiza o conteúdo teológico acrônico para adequá-lo aos momentos, muitas vezes eleitorais, donde a pobreza se torna um bezerro de ouro para emplacar tendências anticristãs via politicagens subversivas, donde nem mesmo as pastorais escapam ao serem usadas na manobra das massas por agentes clericalizados.
[...] reduzir uma dimensão à outra – suprimindo-as praticamente a ambas – ou antepor a segunda à primeira é subverter e desnaturar a verdadeira libertação crista.
8. São João Paulo II, afinal, recomendou aos bispos do Brasil aquela teologia que tem por seguidor o Leonardo Boff? Subversor que não apenas se infiltrou na Igreja Católica, mas pôs Luís Inácio Lula da Silva como opção de “semideus” numa live no YouTube perante uma deturpada preferência de Papa Francisco pelos desfavorecidos (vídeo lincado abaixo). Observando a Instrução Libertatis Conscientia, explica o Santo Padre (S. J. P. II) que libertação é soteriológica (aspecto da Salvação realizada por Jesus Cristo) e depois ético-social (ou ético-política), deixando explícito que “reduzir uma dimensão à outra – suprimindo-as praticamente a ambas – ou antepor a segunda à primeira é subverter e desnaturar a verdadeira libertação crista”. Adiante: “É dever dos Pastores, portanto, anunciar a todos os homens, sem ambiguidades, o mistério da libertação que se encerra na Cruz e na Ressurreição de Cristo. A Igreja de Jesus, nos nossos dias como em todos os tempos, no Brasil como em qualquer parte do mundo, conhece uma só sabedoria e uma só potência: a da Cruz que leva à Ressurreição. Os pobres deste País, que tem nos Senhores os seus Pastores, os pobres deste Continente são os primeiros a sentir urgente necessidade deste evangelho da libertação radical e integral. Sonegá-lo seria defraudá-los e desiludi-los”. Resta saber: continua a Conferência Episcopal brasileira ambígua? Em 28 de abril de 2023, durante a coletiva de impressa da 60ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, questionou Gustavo Amorim Gomes, jornalista da ACI Digital, aos 19 minutos e 30 segundos do vídeo (abaixo lincado), sobre a “Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro”, emitida naquele momento, trazendo um conteúdo alinhado ao “Os Grandes Desafios da Sociedade Brasileira”, publicada há 14 dias, totalmente clericalista, repleta de ambiguidades que são facilmente convertidas em hipocrisia. Apenas para denotar o que é notório, depositam no STF ou Supremo Tribunal Federal no mês de junho (exteriorizando uma expectativa que não lhe pode ser compatível, tento em vista que deve ser, conforme ela mesma defende, anticlericalista no posicionamento social, jurídico, político etc.) esperanças para reconhecimento constitucional do direito a terras de povos supostamente indígenas, denominados Yanomami, embora quando o canal do Telegram do Padre Paulo Ricardo passou a sofrer monitoramento constante (leia-se espionagem com aval estatal) por pressão causada pela corte (onde os conteúdos são checados por empresas particulares como “Agência Lupa”, “Aos Fatos”, “Boatos.org”, mas sem qualquer apreço religioso e inclinadas a posições ideológicas contrárias ao catolicismo), nenhuma menção em apoio ao sacerdote foi proferida pelo episcopado nacional (por ele ter praticamente sido tolhido de direitos constitucionais relativos à liberdade de pensamento, expressão etc.), embora tenha enviado nove dos seus membros consagrados da Hierarquia da Igreja àquele tribunal em 1980 para assistir (gerando pressão) o julgamento do habeas corpus contra a expulsão do Padre Vito Miracapillo, um italiano que atuava em Pernambuco promovendo levantes contra propriedades rurais e negando a realização de missas oficiais em comemorações como as da Semana da Pátria (alegando que não havia independência ainda no país). Você não vai achar a ordem do ministro togado (cujo nome é melhor evitar) expressa na decisão, embora aprove que monitorem as 100 maiores contas daquele aplicativo em território brasileiro, onde se inclui o canal do Padre Paulo Ricardo dentre outras de nítida posição conservadora. Agora o ponto que não poderia deixar de compor este breve dossiê: depois de eleito, mostrando que não tem qualquer pretensão de se posicionar em consonância com demandas da Santa Igreja, resolve o petista na Presidência da República, usando suas prerrogativas como Chefe do Executivo, remover a nossa nação do Pacto Internacional Antiaborto, restando à ambiguíssima CNBB, numa rápida nota divulgada em 18 de janeiro de 2023, repudiar tal ato enquanto relembra promessas de campanhas do candidato que apoiou, mesmo achando que enrolaria todo laicato sob sua própria jurisdição ao manejar pastorais e opiniões individuais contra Jair Messias Bolsonaro, especialmente através das famigeradas CEBs ou Comunidades Eclesiais de Base.
9. Poupar-se-á o leitor de outras ambiguidades, estas que São João Paulo II designou por subversivas, justamente por trocar de ordem a libertação soteriológica pela ético-social (ou ético-política), mas não sem apresentar outro flagrante, decorrido na produção desse breve dossiê. Observe primeiro que aquela nota da CNBB contra o aborto foi emitida em 18 de janeiro de 2023. Depois, releia aquela “análise de conjuntura”, qual seja, “Os Grandes Desafios da Sociedade Brasileira”, datada de 14 de abril de 2023, pois nela existe uma informação no mínimo intrigante na página 41: “[...] E o governo federal, ainda em seu início, tem demonstrado uma série de movimentos contraditórios. A revogação da portaria que desobrigou profissionais da saúde a comunicarem caso de aborto à polícia e a saída do país do ‘pacto internacional antiaborto’ demonstram que ainda não está totalmente definida essa questão no governo. Ao mesmo tempo, isto se transformou, por parte de outras posições mais radicais, em uma leitura em que não há um compromisso governamental com esse tema fundamental”. Evidentemente que seu redator não podia deixar sua opção partidária vulnerável, donde as críticas ao então presidente Luís Inácio Lula da Silva apenas viriam de “outras posições mais radicais” quando ele mesmo apontou a contradição no governo do petista, sobrando-lhe apenas uma coisa das duas: ou ele é opositor (radical) neste aspecto; ou ele é contraditório (terceira via parece mais provável, qual seja, apenas desonesto). Assim sendo, procurando responder à questão se continua ambígua a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, valeria indagar o motivo pelo qual deixou de tratar do aborto na incoerência verificada pelo “Grupo de Análise de Conjuntura” quando da emissão da “Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro”, que nos primeiros parágrafos se cala, finalizando suas últimas linhas muda, omitindo-se no tocante ao direito à vida de bebês em gestação, mas com enorme esperança no reconhecimento das terras dos pretensos povos indígenas convencionados por Yanomamis por uma corte que não parece se interessar muito pelas questões eclesiásticas, muito menos teológicas, sempre dando um jeitinho de interpretar umbilicalmente a Constituição da República Federativa do Brasil quando lhe convém. Se disso tudo ainda há dúvidas acerca da ambiguidade permanente na CNBB, resta ao blog prosseguir seu ofício de identidade católica nos termos do Nosso Senhor: “Dizei somente: ‘Sim’, se é sim; ‘não’, se é não. Tudo o que passa além disso vem do Maligno.” (Mt 5, 37); “Guardei-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores.” (Mt. 7, 15).
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. Breve Dossiê Sobre a CNBB. Enquirídio. Maceió, 04 mai. 2023. Disponível em https://www.enquiridio.org/2023/05/breve-dossie-sobre-cnbb.html.

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