Eugène Accard. Mulher elegante olhando em um espelho. |
2. Ou seja, as coisas, apesar de já estarem definidas, somente terão algum valor se forem assim declaradas por seu observador, podendo ser uma pessoa apenas ou organização. As definições anunciadas para este conceito não são discutidas, embora seja notório a existência daquelas firmadas pela verdade imutável e outras por pactos, bons e maus.
3. Como quem se olha no espelho, estranho seria enxergar outra pessoa, mas não imperfeições provocadas por uma irregularidade na superfície, que não permite verificar uma imagem refletida com exatidão, mas tão somente distorcida — e o sujeito, neste ponto, evidentemente deixa de se reconhecer ou duvida da feição que tem.
Se tudo deve corresponder ao que tem admitido alguém por uma aparência, nada mais será essencial.4. Deixando de se reconhecer, logo, tudo que ele olha, nada vale ou talvez muito pouco, ainda assim desconfiadamente. Mas o que não reconhece ou duvida é produto da distorção? Aparentemente sim, mas não essencialmente. Se tudo deve corresponder ao que tem admitido alguém por uma aparência, nada mais será essencial.
5. Portanto, se as virtudes se observam em “A”, porém, igualmente em “B”, por que somente na primeira são consideradas verdadeiras? Simetria aparente, própria da resposta cognitiva reativa de um indivíduo que tem por estabelecido uma orientação estética que não lhe possibilita reconhecer idêntica essência em um padrão diverso.
6. Através de ficções, se sempre são descritos como virtuosos determinados personagens, mudando somente os contextos, então o que é posto em questão não são virtudes em si, muito menos os protagonistas ou coadjuvantes desenvolvidos virtuosamente, mas tão somente a estética, visto que são iguais essencialmente.
7. Neste ponto, alguém tomado pela simetria aparente somente percebe as virtudes se cumprem primeiro os requisitos estéticos por ele admitidos e, variando a estética, também sofre variação o que é virtuoso, constatando-se, desta forma, que tal fenômeno só relativiza uma verdade para que seja mais própria de uma só pessoa ou organização.
8. Os requisitos estéticos são inúmeros, e o fenômeno aqui explicado não condiz com uma pretensão de subversão no intuito de deturpar, embora tal deturpação aconteça, inclusive mediante aparências muito semelhantes, donde o objeto “A”, diferindo somente na coloração, torna-se oposto ao “B”, embora ambos sejam produtos de igual molde.
9. Embora o sujeito pratique apenas atos de alva virtude, mas sem que condiga aos requisitos estéticos de outro, preso só ao aspecto da matéria exterior, tanto este ignora a essência daquelas práticas quanto aquele que pratica, rejeitando sua presença e negando sua própria existência, manifestações e a possibilidade de um diálogo comum.
10. Assim é que o mundo se mostra, saturado de situações diferentes em aparência, mas que podem abrigar pessoas ou atitudes com virtudes, cabendo ao virtuoso discernir em essência o que lhe é próprio, mas sem que precise admitir o estético, que por sua vez poderá sim revelar uma virtuosidade, mas não sem que signifique o essencial.
11. Virtude aparente não subsiste. Os virtuosos, ou ao menos aqueles que tenham atitudes assim ao longo do tempo, ainda que errem em certos pontos, reconhecem a essência da virtude em meio ao ordinário, negando este enquanto admite aquela, pois há de fato onde olha — e o espelho, se há algum, neste ponto, reflete o que é essencial.
12. Por fim, livrar-se da simetria aparente requer ao sujeito admitir que aquele espelho, colocado entre si mesmo e a realidade, significa, quem sabe, somente vaidade, uma vez que, quando aceitas, terminam as virtudes conduzindo à verdade imutável, indisponível às subjetividades decorrentes de requisitos estéticos pessoais. Para referenciar esta postagem: ROCHA, Pedro. Simetria Aparente. Enquirídio. Maceió, 06 ago. 2024. Disponível em https://www.enquiridio.org/2024/08/simetria-aparente.html.
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