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Jacques-Louis David. A Morte de Marat. |
2. Por uma necessidade, observa-se de imediato que uma convicção particular limitante, geralmente manifestada por uma negação, consegue ser plenamente manobrada por uma narrativa, bastando, para isso, explorar a suposta limitação com uma promessa de roupagem emocional, evitando o enfoque racional, pois isto despertaria a consciência.
3. Essa manobra numa narrativa, diferente do que se poderia concluir de imediato por uma intuição qualquer ou propensão consensual, ao invés de se relacionar com o inconsciente, ao certo só evita ativar a razão, que, por sua vez, despertada, afastaria o indivíduo de influências sensitivas, geradoras de emoções, muitas vezes desordenadas.
4. Também é possível associar as formas de adesão no intuito de manobrar uma narrativa: primeiro, revela-se um objeto de apreço mútuo, gerando afinidade, entrosamento e a suscetibilidade para abandonar a racionalidade; depois, usa-se de toda sorte de argumentos artificiais para provocar no indivíduo reações emocionais.
5. Dessa forma, ao invés de se valer da razão, intui-se de acordo com o que a pessoa já possui de repertório naquilo que chamam por equívoco de “imaginário”, quando na verdade é a própria limitação cognitiva e/ou bagagem resumida de conhecimentos que dispõe alguém para avaliar se um argumento é verdadeiro ou produto de narrativa.
6. Dispondo de conhecimento ou revelação a respeito de um assunto e avaliando de maneira racional, alguém reconhecerá a narrativa empregada por afinidade ou necessidade, mas se não tem, também não dedica tempo, esforço, afinco no intuito de conhecer — e o sujeito que deseja saber, agora projeta suas próprias convicções.
7. A partir daqui a explicação requer um pouco de paciência e atenção, pois toda informação será equalizada, onde “A”, “B” e “X” serão utilizados como denominadores, embora “A” e “B” possam ser substituídos por nomes pessoais ou de instituições, assim como pode “X” significar algo específico, como um fato ou ideia.
8. Se para “A” toda concepção que ele não concorda representa “X” e “B” entende “X” apenas por aquilo que afirma ser “X” por “A”, não conhece “B” o que é “X”, mas tão somente a narrativa baseada em um posicionamento de “A” em relação a alguma questão que ele trouxe como sendo “X”.
9. Adiante, aderindo “B” à “X”, projetará em “A” os próprios valores por afinidade, como se “A” os tivesse também, embora nunca tenha revelado nada igual, exceto por uma verossimilhança, visto que seu objeto fora apenas “X”. Porém, quando uma causa “X” perde seu valor, quem ao certo deixou de valorar: “A”, “B” ou “X”?
10. Se “X” perde seu valor por “A” não observar mais a toda concepção que discorda como sendo “X”, por sua vez “X” poderá deixar de representar para “B” um objeto de discordância justamente por “B” ter por “A” uma sustentação, embora possa discordar “B” de “A” se “X” significar mais para “B”, apesar do significado de “X” se originar em “A”.
Neste ponto, aquilo que “B” tem por verdadeiro depende totalmente da sustentação de “A”.11. Imagine que “X” foi uma impressão equivocada de qualquer realidade contextual observada por “A”, mas que não corresponde com a verdade, uma vez que “A” não averiguou ao certo as informações concretas relativas com tal. Neste ponto, aquilo que “B” tem por verdadeiro depende totalmente da sustentação de “A”.
12. Observe que “A” não possui ciência acerca de “X”, só que, ao invés de procurar conhecer a realidade contextual representada por “X”, ele projeta sua própria limitação cognitiva e/ou bagagem resumida de conhecimentos como narrativa, revelando uma situação mais profunda ou que se relaciona com alguma camada oculta de informação.
13. Camada oculta de informação no sentido de que se “A” compreendia a realidade contextual observada, mas, mesmo assim, deturpou “X” em um produto de narrativa, explora de certeza a limitação cognitiva e/ou bagagem resumida de conhecimentos de outros em benefício de si mesmo(a) — configurando a manipulação originária.
14. Para que “X” não seja percebido como produto de narrativa, decorrente da deturpação da realidade contextual observada, “A” reveste “X” com uma roupagem emocional, fazendo com que, desde o início, indivíduos manipuláveis encontrem aí respostas por afinidade ou necessidade, acreditando serem argumentos realmente racionais.
15. Os argumentos, desta forma, projetam-se em defesa do sentimento que têm não só por “X”, mas por “A”, uma vez que, intuitivamente, sabe-se que só ele, incluindo os correlatos, sustenta “X” aquém de alguma ciência, motivo pelo qual necessitando de “X” ou nutrindo afinidade por “X”, ter também por “A” acaba sendo mais fácil.
16. Por isso que, aderindo “B” à “X”, defender “A” acaba sendo uma obrigação lógica, dada pela emoção ao invés da razão. Em um exemplo esdruxulo, dizendo alguém que “A” não presta, “B” contesta por adesão a “X” e não por “A” necessariamente. Mas dizendo que “X” não é bom, “B” pode se valer da “autoridade” de “A” no intuito de validar “X”.
17. Contudo, como dito antes, deixando “A” de sustentar “X”, porém, havendo quem seja essa sustentação (um manipulador secundário, quem sabe), as mesmas pessoas que defendiam “A” em consequência de “X” que ele mesmo inventou, podem rejeitá-lo no intuito de manter “X” intacta — e a narrativa acaba se tornando a realidade para eles.
18. Entretanto, supondo que “A” não compreendia a realidade contextual e sequer buscou validar sua percepção acerca daquilo que chamou por “X”, ele primeiro precisa se manipular (no sentido de convencimento) para admitir essa questão como certa, mas que também pode estar sofrendo influência manipulativa — camada oculta de informação.
Ele tem que acreditar que aquilo que afirma é o correto, suplantando a racionalidade por uma falsa crença, que agora se torna uma realidade imaginada de vinculação emocional.19. Só depois de se manipular, conforme exposto no parágrafo anterior, “A” consegue causar efeito manipulativo semelhante — configurando a manipulação derivada. Ele tem que acreditar que aquilo que afirma é o correto, suplantando a racionalidade por uma falsa crença, que agora se torna uma realidade imaginada de vinculação emocional.
20. Assim é que o controle de narrativa é manipulado, gerando não apenas uma cadeia de manipuladores, do originário aos derivados, como uma série de decorrências que podem culminar em grupos, seitas, comunidades que defendem uma mentira tão somente para subverterem a realidade em próprio proveito — o que é deveras inconsequente.
21. Inconsequência que um dia poderá se voltar contra os inconsequentes, como quem admite um Leviatã tão somente para destruir ou afugentar os outros, mas que, perdendo o controle sobre tal besta, volta-se esta contra qualquer pessoa, inclusive seu próprio empregador, como é o caso da guilhotina para Maximilien de Robespierre (1758-1794).
Tudo isso, biblicamente falando, remonta ao farisaísmo, daqueles que coam uma mosca, porém, engolem um camelo — hipocrisia por excelência.22. Noutros termos, trata-se do feitiço contra o feiticeiro. Ou, do ponto de vista da negação cognitiva, aquela cobrança de autocrítica para os outros, porém, nunca para si mesmo(a). Tudo isso, biblicamente falando, remonta ao farisaísmo, daqueles que coam uma mosca, porém, engolem um camelo — hipocrisia por excelência.
23. Consequentemente, não à toa trocentas narrativas são percebidas como marketing, mas não voltado à oferta de um produto legítimo e/ou inovador, de um utensílio doméstico recém-lançado, que tem sua validade do ponto de vista usual, mas sim como a falsa dinâmica de mercado, criando problemas para venderem suas próprias soluções.
24. Soluções que orbitam as narrativas. Exemplificando (esdruxulamente), se um manipulador, buscando vender patinetes, manipula seu público por afinidade, afirma que andar com os pés no chão se tornou algo imoral a partir de agora, aqueles que são suscetíveis à manipulação verão nisto um problema imaginativo.
25. Diante disto, todos que andam com os dois pés no chão se tornam imorais, assim como quem não tem patinete, donde até mesmo a qualidade deste pode se tornar questionável por não ser exatamente aquele indicado pelo manipulador — e a realidade, agora, já não se discute, exceto a necessidade (solução imaginativa) de ter um patinete.
26. Talvez não fosse necessário dizer que, por exemplo, uma democracia determinada pela mera vontade da maioria simples é amplamente suscetível a isso tudo. Se diante de um total de dez pessoas apenas uma for omissa, quatro entra em guerra contra os demais ou cinco se torna maioria e ganha dos outros três — e a omissão é moeda estratégica.
27. Mesmo em filmes, quando tratam de calamidades previstas por respeitáveis cientistas, mas que são ignoradas, significa que maioria das pessoas não aderem à narrativa que têm. Igualmente, se um clérigo bom afirma que falta de Deus corrobora a desordem, ignoram-no por sua preocupação ser tida como mais outra narrativa.
Não é sinal de saúde adaptar-se a uma sociedade doente.28. Ao certo, os cientistas e o clérigo trazidos no exemplo formam a minoria — e o motivo de na democracia estarem ambos sendo derrotados por uma maioria viciada no controle de narrativa. Mesmo sendo este blog averso à teosofia de Jiddu Krishnamurti (1895-1986), concorda com o que diz: “não é sinal de saúde adaptar-se a uma sociedade doente”.
29. Assim sendo, se instalam no Brasil ou no mundo as guerras de narrativas, verdades são sempre as primeiras vítimas — e o verdadeiro, muitas vezes simples de se perceber, torna-se complexo, próprio daqueles que estudam, experimentam e contemplam sua majestade, porém, presos numa prisão, que não é outra coisa além da própria realidade. Para referenciar esta postagem: ROCHA, Pedro. Manipulação e o Controle de Narrativa. Enquirídio. Maceió, 24 out. 2024. Disponível em https://www.enquiridio.org/2024/10/manipulacao-e-o-controle-de-narrativa.html.
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