1.7.22

Um Pagão Clericalizado

Quando os padres não são exemplares, dificultam aos católicos experienciarem na integridade o Evangelho de Nosso Senhor, impedindo aos não batizados de conhecerem a Santa Igreja ao causarem mais distanciamentos ao invés de aproximações – e graças a Deus Papa Francisco tem uma orientação sobre isso.
Francisco de Goya. A Lâmpada do Diabo.
1. Papa Francisco sempre exortou a modéstia, especialmente aos membros ordenados da Igreja Católica. Recorda-se nitidamente que ele determinou aos sacerdotes que utilizassem veículos modestos nos serviços eclesiais, afinal, padres e bispos também precisam se deslocar de um canto para outro. Porém, parece que não são carros que dão margem aos problemas decorrentes das vaidades clericais, mas uma determinada maneira de encarar no profano o sagrado, atirando-se os tantos que têm ordem no culto ao mundo.

2. As coisas do mundo – podem pensar – também são divinas, pois Deus quem as criou. Verdade, mas não pensam somente nos reinos minerais, vegetais e animais quando cercados pela produção sintetizada do próprio ser humano, donde a realidade se apresenta mais como produto de modificação ao invés de natureza divinamente concebida. Basta olhar a cidade grande e notar que, por sinal, tem uma árvore na calçada; que, por sinal, tem uma lagoa no parque; que, por sinal, tem uma coruja no prédio. Verdade seja dita: infelizmente o homem depredou o que Ele fez. Claro que não seria necessário rememorar o pecado original, mas não é bom esquecer que foi por ele que decaímos enquanto humanidade, apesar de termos em Jesus Cristo a salvação, mas que jamais deveria ser utilizado como pretexto para continuar errando ou se desviando do Evangelho, donde nem mesmo os santos e o papa, independentemente de qual seja, escapam. Justamente por tal indefectibilidade das Sagradas Palavras é que o Santo Padre se mostra atônito ao perceber certas condutas no clero.

3. Longe de tentar fazer um resumo da “história da internet”, sabe-se do predomínio de mídias sociais na preferência de comunicação interpessoal, incluindo os mensageiros instantâneos que também funcionam para aglutinar pessoas conforme interesses. Nesses espaços virtuais as coisas rumam ao mundo sem prumo, mas não por intenção de alguém ou da famigerada Nova Ordem Mundial, mas por uma coisa que aos humanos é realmente muito própria e historicamente comprovada, qual seja, poder de inovar.

4. Lembre-se de que, por sinal, tem uma grama no canteiro. Quanto do mundo não foi transformado pela humanidade? Muito! Igualmente nas mídias sociais, donde não é uma vontade somente que faz mudar a coisa toda, mas uma série de visões de necessidades projetadas que vão alterando aos poucos as mecânicas de funcionamento até que implementem de fato as modificações que poderiam melhorar aquilo que nem mesmo eles saberiam explicar, sobretudo por demandas de produtores e consumidores de conteúdo. Assim é que a postagem Premissas Divertidas; Decorrências Nefastas vem pôr uma métrica nisso tudo para possibilitar ao leitor interessado o mínimo necessário à compreensão do paradigma que nitidamente está engolindo até mesmo os padres da Santa Igreja e obrigando o Papa Francisco se valer de termos um tanto quanto duros, mas não desnecessários.

5. Quantos padres não passam certa parte do tempo no Instagram buscando audiência? Observa-se de longe ao menos alguns. Poder-se-ia recriminá-los equivocadamente por aquilo que fazem, mas não depois das colocações constantes na publicação indicada, obviamente – espera-se do leitor um mínimo de compreensão da filosofia de Vilém Flusser para continuar a leitura sem perder a linha de pensamento que vai ser percorrida, sobretudo pela delicadeza do assunto abordado. Assim sendo, equivoca-se aquele que acredita ser isento dos fenômenos de transformações decorrentes da utilização de mídias sociais. Acontece que uma questão seria essa, dada pela complexidade filosófica do mundo objetal, mas não necessariamente, uma vez que certos fatos são preocupantes pela mera exposição. Assim é que o sacerdote dinâmico, evitando utilizar por enquanto os termos empregados pelo próprio pontífice em homilia, mantêm um comportamento mais compatível com coisas do mundo do que da Santa Igreja. Trazendo uma observação bem superficial, perceba o dinamismo clerical no pronto atendimento das solicitações mundanas: “padre, gosto de tatuagem – aí lá vai ele pintar a pele para mostrar que não é uma atitude pecaminosa”; “padre, gosto da Fulana – aí lá vai ele participar do programa dela para mostrar que tal interesse não é uma atitude pecaminosa”; “padre, gosto de butique – aí lá vai ele vestir as roupas de grife para mostrar que tal opção não é uma atitude pecaminosa”. De longe – quilômetros de distância – alguém notaria que determinados membros ordenados da Igreja Católica mais parecem se adequar aos caprichos do laicato (isso ainda se forem leigos realmente, tendo em vista que podem ser pagãos) ao invés de se firmarem retamente na doutrina.
Como raios pastor de ovelha que olvida serviço livraria o rebanho das garras dos lobos?
6. Fazer uma tatuagem é pecado? Do ponto de vista da moral cristã, talvez venial se feita despropositadamente, uma vez que mesmo a inserção de imagens pigmentadas pela pele pode significar algo importante para alguém, sobretudo espiritualmente, incluindo o encobrimento de lesões ou manchas esteticamente indesejadas, tanto física quanto psicologicamente – jamais como vaidade. Afinal de contas, Deus quem lhe deu uma camada exterior para encobrir as entranhas olha nela a obra prima, capaz de coisas que uma pintura humana, mesmo que bem-produzida e impregnada através da melhor agulha, jamais poderia eternizar. Adiante, quanto ao comparecimento de sacerdotes em programas de televisão ou podcasts em canais de YouTube, francamente: privá-los das oportunidades de evangelização é isenção de fé – no mínimo! Porém, entretanto, todavia... Expor-se visando dialogar no âmbito de pretensões ecumênicas ou apenas para cumprir contratos editoriais, mascarando o catolicismo (que lhe deveria ser estandarte constante e perpétuo) em receio de desagradar o público: ao inferno! Isso não pode ser diálogo! Primeiro que quanto um padre se descaracteriza das vestimentas clericais, parece querer voltar ao laicato ou – pior – se adequar a cultura neopagã! Depois, mesmo trajando a batina com colarinho e tudo mais, esquecer de pregar o Evangelho para filosofar com intelectuais modernistas ou recitar poemas juntamente aos astros de filmes, séries e novelas, ou se atesta um grave problema de saúde mental, neurológico, digno de socorro imediato, ou já se constata que o que ele talvez deseje não é o que Nosso Senhor desejou. Como raios pastor de ovelha que olvida serviço livraria o rebanho das garras dos lobos? Finalmente, pensando na hipótese de um membro ordenado da Igreja Católica preferir ostentar roupas e objetos de grifes (muito caras) do que ir buscar ocupações de fé, pedindo desde já perdão por uma sentença preliminar intencionada a lançar uma reflexão pertinente ao assunto, sobretudo em observância das colocações pontifícias, honestamente, faltam até palavras! Ninguém poderia condenar alguém por vestir uma camisa de marca de luxo, porém, trajar-se assim em demasia e posando em selfies que evidenciam tão somente o caráter material daquele vestuário, certamente é incorrer em luxúria.

7. Ressalta-se de passagem que preservar a identidade católica não significa colocar escapulário no pescoço ou mesmo uma volta com pingente de crucifixo, muito menos vestir sempre uma camisa com estampa de Nossa Senhora ou carregar para cima e para baixo a Bíblia Sagrada. Podem até ser obrigatórios aos membros ordenados da Santa Igreja, mas não aos leigos, que não precisam de amuletos para se fazerem em Deus. Possuem e utilizam tais objetos por devoção e desejo de exaltarem a glória de Nosso Senhor, porém, quando disto prevalece o exagero, questiona-se realmente a intenção. Assim é que o laicato também precisa se ocupar do Evangelho, prezando pela modéstia, estando no mundo, mas não para o mundo.

8. Um sacerdote mundano não passa dum pagão clericalizado – absurdo, diriam. Porém, permita-se fazer agora a leitura segundo as próprias palavras do Papa Francisco: “um sacerdote mundano não passa dum pagão clericalizado”. Melhorou? Apesar do Santo Padre ter intencionado sua homilia aos membros ordenados da Igreja Católica ao saudá-los por “queridos irmãos sacerdotes”, sobretudo pelos presentes na celebração, observe que também existe o sacerdócio comum, pertinente a todos os batizados, donde extensivamente o recado é sempre destinado a totalidade dos católicos. Agora reveja: aqueles que exercem uma prerrogativa sacerdotal, precisam observar o catecismo, especialmente a partir do ponto 1.533. Interessante como Vilém Flusser parece ter previsto a “idolatria escondida” na “mundanidade espiritual”, tratada pelo Santo Padre como cultura do efêmero, da aparência, da maquilhagem, principalmente naquilo que explica a respeito da “mundanidade de andar à procura da própria glória rouba-nos a presença de Jesus humilde e humilhado, [...] adorado pelo nosso povo que sabe os seus verdadeiros amigos”. Tudo isso é dado pela sintetização, paralelização e relativização de maneira a perder de vista a própria realidade no entorpecimento pelas trivialidades do mundo objetal. Sorte de haver na Cátedra Petrina alguém que enxerga perfeitamente bem com olhos da alma.
9. Impressionantemente o diagnóstico do Santo Padre: extremamente preciso! Aliás, soma-se ao problema da idolatria numérica, quantitativa, estatística, donde a vida humana seria apenas contabilidade e controle sobre qualquer coisa, depredando pela base da ciência numérica aquilo que Ele criou do nada. Feliz é o Papa Francisco quando recorda ser “característica dos santos” saber se retirar “para deixar todo o espaço para Deus”, sendo esse “esquecer-se de si mesmo e querer ser esquecido por todos os outros” características do Espírito Santo. Isso se soma ao funcionalismo denunciado também adiante na homilia do pontífice, responsável por remover o mistério em aposição da eficácia. Quantas denúncias não estão sendo realizadas contra o clero e a formação precária em alguns seminários? Se as preocupações papais perdurarem, significa que também continuam os problemas avistados. Deveria o laicato, portanto, vigiar os padres? Legitimidade até tem, valendo lembrar que mesmo São Paulo repreendeu São Pedro (Gl 2, 11), mas não parece ser sensato uma ovelha ensinar o pastor a pastorear, apesar da gritante necessidade! Verdade seja dita: existem sim péssimos clérigos, incluindo rebeldes, malfeitores e abusadores, sendo tão verídico quanto a vontade na sucessão apostólica de encerrar essa vassalagem que teimam manter certas frentes católicas perante os presbíteros, bispos, cardeais, conforme o Concílio Vaticano II. Reduzir-se-iam estes apenas aos serviços ministeriais? Evidentemente que não! Todavia, homens erram e podem se aprumar, mas por uma precaução, resta-lhes claramente a passividade de poderem sofrer vigilância! Também não parece genuína a crítica que certas pessoas fazem sobre os membros ordenados da Igreja Católica por discordarem de aspectos que não são canônicos, donde o gosto ou mesmo a particular inclinação é manifestada, mas que encontrando conformidade no magistério, perante a doutrina, pouco ou nada seria da conta de um ou outro. Longe de realizar um julgamento, pois quem precisa se modificar procede por consciência; não por remendos alheios. Contudo, deixar de perceber que até mesmo o Vigário de Cristo se preocupa com tais irregularidades – ao ponto de chamar o sacerdote mundano de pagão clericalizado – parece um desvio grave da fé, motivo pelo qual todo conteúdo aqui publicado no Enquirídio é apenas uma forma de tornar explícito aquilo que não vem aos noticiários ou mídias sociais por obviamente gerar conflitos de interesses, embora seja realmente uma manifestação evidente de cuidado e total apoio àquilo que desejou evidenciar Sua Santidade por dedicação inquestionável pelas coisas de Nosso Senhor.
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. Um Pagão Clericalizado. Enquirídio. Maceió, 01 jul. 2022. Disponível em https://www.enquiridio.org/2022/06/um-pagao-clericalizado.html.

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