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Carl Schleicher. Uma Questão Controversa do Talmud. |
3. Se houve um concílio (ou sínodo) entre remanescentes do judaísmo (lembrando a guerra que culminou na queda do Segundo Templo) para definição do “Antigo Testamento” (Tanakh), que foi anterior a qualquer empenho da Igreja Católica neste sentido, embora tempo depois, supostamente, por que não utilizar os textos como assim foram definidos pelos judeus? Isto soa como algo claro, evidente, embora seja preciso, antes de seguir nesta linha de pensamento, questionar se inexiste algo anterior ao evento judaico já mencionado, que por sua vez também precisaria ser confirmado para que seja tido como definitivo à história bíblica. Visitando os trabalhos de Wilfrid J. Harrington (1927-2025) e Eduardo Arens, “Chave para a Bíblia” e “A Bíblia Sem Mitos”, respectivamente, discordâncias enfáticas são evidenciadas desde o início, onde, ao primeiro, Jamnia realmente recepcionou um acontecimento definitivo, predominantemente farisaico, na formação do que se entende por Sagradas Escrituras, mas que, ao segundo, tudo isso pôde ter sido reverberado de maneira a mitificar determinados fatos, como é o caso de que em 450-550 d.C. ainda se tinha na tradição oralmente legada alguma veneração por contextos presentes nos deuterocanônicos, como também explica Dr. Brant Pitre no vídeo a seguir: 4. Um caso para entender a questão é o seguinte: no capítulo 13a do Tratado Chagigah (450-550 d.C.), referente às oferendas das festividades, como a Pessach (Páscoa dos judeus), incluindo digressões acerca da criação (em Gênesis), assim como de interpretações esotéricas da carruagem divina (em Ezequiel), lê-se claramente uma citação literal do livro de “Yeshua Ben Sira” ou “Jesus, Filho de Sirac”: “Não busques coisas ocultas, nem procures o que te é oculto. Reflita sobre o que te é permitido; você não tem nada a ver com assuntos secretos. Igualmente, vê-se as mesmas colocações naquilo que por Tradição é conferido no versículo vinte e um do terceiro capítulo de Sirácida (Eclesiastes): “Não procures saber o que excede a tua capacidade, e não especules o que ultrapassa as tuas forças, mas pensa sempre no que Deus te mandou, e não tenhas a curiosidade de conhecer demasiado número das suas obras.” (Tradução do Padre Manuel Matos Soares de 1956). Isto está transcrito no Talmud Babilônico, obra mais sagrada no judaísmo (após a Torah, claro), confirmando as alegações de que os deuterocanônicos não são tão apócrifos assim como pensa Lycurgo e demais protestantes, no sentido de que um “Concílio de Jamnia” concluiu a definição do “Antigo Testamento” (Tanakh) — desmoronando a judaização do cristianismo.
5. Desmorona essa judaização da fé na verificação de que as pretensões do Renascimento, advindas de tantas outras heresias dos primeiros séculos, quando as seitas protestantes se proliferaram mais rapidamente e mediante um enfraquecimento da autoridade pontifícia perante os reinados (especialmente na divisão do Sacro Império Roma-Germânico), procuram subverter a única Igreja de Cristo no intuito de fragmentá-la para dela remover o que é tradicional, deixando sobretudo o Evangelho desamparado de Magistério. Ora, isto não seria nada difícil de notar: destruir todo o clero naquela época (como hoje) terminaria sendo impossível, donde melhor é destruir aquilo que lhe confere autoridade, que é a sua Tradição. Destruindo-se esta, seria questão de tempo destruir todo o resto. Para isto, nada mais interessante que imputar aos concílios católicos a tarefa de forjar a Bíblia Sagrada, fazendo adicionar os deuterocanônicos já destituídos de sacralidade no provavelmente inexistente “Concílio de Jamnia” — Oi? Como dito, Lycurgo já tinha dado um “tiro no pé” antes de chegar nesta parte do vídeo: “[...] como é que a gente sabe a ‘tradição’? Pelas [Sagradas] Escrituras”. Você pode chegar neste trecho no tempo de 1:06:14. O que é possível concluir, por exemplo, das reafirmações realizadas no Sínodo de Cartago (397 d.C.) sobre os 27 livros do Novo Testamento, segundo Heinrich Denzinger (1819-1883), mas que também já reafirmava ao menos outros 44 (de 46 ao todo) do Antigo Testamento? Afinal de contas, se os protestantes têm uma “coisa com zíper e capa dura”, incluindo os testemunhos de São Mateus, São Marcos, São Lucas, São João, assim como um texto sobre os Atos dos Apóstolos e tantas Cartas inspiradas, para não falar das revelações apocalípticas, quem pôde ter feito tal disposição e perpetuado tudo isso quando sequer existia a prensa que popularizou seu formato impresso? No debate popular, as informações são projetadas com bastante velocidade, ao ponto de sequer notarem que alguém ali cometeu um suicídio intelectual.
6. Um dado mais aferível está no fato de que os judeus já se valeram da Septuaginta (Setenta ou LXX), que não era outra coisa além da Bíblia Hebraica traduzia ao grego ao longo de 250 anos, aproximadamente, do século III a.C. ao século I a.C., abandonando esta tradução na medida em que os cristãos se consolidavam em comunidades. Depois da queda do Segundo Templo (70 d.C.), os rabinos iniciaram a transcrição da tradição oral da Torah na composição da Mishná (primeira parte do Talmud), onde está Moed, que por sua vez contém o Tratado Chagigah, incluindo a citação do livro de “Yeshua Ben Sira” presente na Guemará (segunda parte do Talmud que comenta a primeira), elencando critérios próprios à canonização de alguns textos, que por tal empreendimento culminou na rejeição dos deuterocanônicos (Tobias, Judite, I e II Macabeus, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico ou Sirácida e Baruque), tratados pelos protestantes como apócrifos, motivo pelo qual, para eles, Jamnia deve existir no contexto de um concílio ou sínodo judaico, que é o que, talvez, contrariasse a autoridade da Santa Igreja — claro que não! Ao certo, nota-se nisto tudo o que é denunciado há algum tempo, inclusive pelo Enquirídio desde que notou tal movimento judaizante mais moderno, conforme expôs no artigo da sequência, ainda que cheio de informações imprecisas: 7. Entenda que deuterocanônico já significa “para fora da Bíblia Hebraica”. Assim sendo, tratar de certos temas ao ponto de questionar “onde está na Bíblia”, depende sempre de definir o que é “Bíblia”. Se Bíblia Sagrada, então se vê 46 livros do Antigo Testamento mais 27 do Novo Testamento; quantidade a menos se vê no Tanakh ou em certas deturpações.
8. Há deturpações da Bíblia Sagrada cristã em outas seitas, como é o caso da “Tradução do Novo Mundo”, própria dos Testemunhas de Jeová, donde se vê no Novo Testamento alguns textos suprimidos para enaltecer a compreensão daquela comunidade caracterizada pelo isolamento e práticas danosas aos adeptos.
9. Verdade que este artigo não deve ser considerado nem mesmo um resumo de um assunto tão complexo, embora aponte os problemas que circundam as pretensões protestantes na afirmação de um “Concílio de Jamnia”. Além disso, há entraves na compreensão das Sagradas Escrituras através do ponto de vista estabelecido pelo protestantismo ao adotar o Tanakh e excluir os deuterocanônicos, uma vez que sua leitura se dá do Antigo Testamento como chave interpretativa do Novo Testamento, ao invés da compreensão cristocêntrica realizada há 2025 anos, onde os fatos de antes se observam pela Fé, Esperança e Caridade de Nosso Senhor ao invés da lógica humana decaída, que vem gerando essas teologias da prosperidade como justificativas de um deus materialista, que não tem Cruz nem uma Mãe Santíssima. Assim sendo, qualquer conversa a respeito da trechos bíblicos são necessariamente realizados ao menos sob essas condições: primeiro, que são observadas o que é colocado como certeza pela Santa Igreja através do Magistério, e; segundo, pela Tradição a Bíblia Sagrada se dá em 73 livros no total. Se serve de aperitivo, tratando-se de intercessão dos santos, discutir, por exemplo, com neopentecostais ou mesmo batistas a respeito disto, mas sem observar os relatos contantes em Macabeus I e II, apesar de ilações acerca do Apocalipse já apontarem para algo teologicamente verossimilhante e verdadeiro do ponto de vista da experiência de fé em ao menos dois milênios, certamente terá uma baita enxaqueca. Para referenciar esta postagem: ROCHA, Pedro. O Mito de Jamnia. Enquirídio. Maceió, 22 set. 2025. Disponível em www.enquiridio.org/2025/09/o-mito-de-jamnia.html.
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