23.2.24

A Virtude da Fortaleza no Ordinário Masculino

Antes de abordar a presente temática, pressupõe-se diagnosticar os principais problemas que ensejaram sua existência através da rápida avaliação de sintomas, que podem ser resumidos, mas não esgotados, observando-se os extremos do feminismo ideológico e o trogloditismo contemporâneo.
Arisia. Máfia dos Macacos.
1. Pelo feminismo ideológico é que o trogloditismo contemporâneo tem sua origem, mas por antagonismo: “se as mulheres subvertem a natureza do homem, estes devem reagir”. Cada qual se vale de correntes de pensamento, mas com propósitos instrumentais, donde aquele, adotando a subversão, encontra resistência no estoicismo usado neste.

2. Na internet, crescem as apresentações multifacetadas da maneira estoica de pensar como se fosse “escola filosófica da fortaleza”, conforme um longo artigo do Brasil Paralelo que, por exemplo, não deixou de recorrer à subversão na tentativa frustrada de dizer que São Paulo teria recebido influência desta corrente de pensamento no intuito de legitimá-la no âmbito católico, omitindo uma das poucas fontes acadêmicas em português que aborda o assunto, enquanto utiliza as epístolas do Novo Testamento (na verdade somente a 1 Coríntios) como instrumento probatório do estoicismo, que por sua vez, como ideia (geralmente distorcia), transplanta-se no tempo e espaço ao centro do debate acerca do ordinário masculino por grupos como “Redpill”, “Incel” e “MGTOW”, que não passam de neoliberais mimados. Através do quinto capítulo de “As Ideias Têm Consequências”, Richard M. Weaver, embora exponha a questão da “solução liberal” relativa ao Estado, quando este procura substituir a religião pela educação, termina servindo ao proposito deste texto, especialmente quando explica: “Mas o tipo de educação que atinge seus objetivos da melhor maneira possível é a doutrinação sistemática e cotidiana dos cidadãos, levada a cabo pelos meios de informação e entretenimento”. Neste ponto é que a máxima de Epiteto poderia funcionar, qual seja, “O que é, enfim, ser educado adequadamente? É saber separar as coisas que estão sob nosso controle daquelas que não estão”, mas por meio de quais critérios? Ao cristão só há um: Cristo! Padre Francisco Faus explica no capítulo dezoito de "Tornar a Vida Amável”: “Quer dizer que tudo é uma questão de amor. Só o amor gera amor. Só o amor vivificado pela graça de Deus pode levar-nos a abraçar a dor e transformá-la por sua vez em amor a Deus e ao próximo. Esse é um prodígio especificamente cristão, infinitamente superior ao fanatismo suicida e à insensibilidade estoica”. Papa Francisco, por uma dimensão mais ampliada, alerta para cultura do indiferentismo, que é uma via até chegar nos pressupostos da insensibilidade do trogloditismo contemporâneo, dizendo: “o oposto mais frequente ao amor de Deus, à compaixão de Deus, é a indiferença”.
3. Neste ponto, uma vez que São Paulo foi mencionado: “tudo me é permitido, mas nem tudo convém.” (1Cor 6, 12). Isto poderia soar estoico, mas sua chave de compreensão não era ele mesmo, mas aquele que nele fez morada — e o estoicismo não contempla a Verdade Revelada, que por sua vez, sendo do agrado de Deus, tudo pode aproveitar, inclusivas as máximas daquela corrente de pensamento. Se hoje há no contexto masculino uma procura por ensinamentos à aproximação das virtudes para suas vidas serem mais inclinadas ao enfrentamento dos desafios de um mundo repleto de contrastes, primeiro é preciso entender que ser forte não significa ser sem sentimentos ou se conformar no indiferentismo, pois isto é como o tolo que fecha os olhos pensando que vai desviar da pedrada, consiste exatamente no contrário do que se pretende conseguir. No “Manual de Epiteto” há algo que pode ilustrar tal situação: “Jamais digas acerca de qualquer coisa ‘eu a perdi’, mas ‘eu a restituí’. O teu filho morreu? Foi restituído. Tua mulher morreu? Foi restituída. ‘Fui despojado de minha propriedade rural’. Muito bem! Isso também foi restituído. ‘Mas foi um patife que a despojou de mim’. Mas que importância tem para ti aquele que por meio do qual o doador quis a sua restituição? Enquanto a ti foi dada, cuida dela como algo que te é estranho, tal como agem os viajantes em relação à estalagem”. Esta maneira estoica de pensar jamais poderia ser considerada virtuosa, muito menos provida de fortaleza, que tem por características tanto a capacidade de enfrentar, quanto de suportar, lembradas pelo Padre Francisco Faus em “A Conquista das Virtudes”. Para todo efeito, ensina o ponto 1808 do Catecismo da Igreja Católica o seguinte: “A fortaleza é a virtude moral que, no meio das dificuldades, assegura a firmeza e a constância na prossecução do bem. Torna firme a decisão de resistir às tentações e de superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza dá capacidade para vencer o medo, mesmo da morte, e enfrentar a provação e as perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício da própria vida, da defesa duma justa causa. ‘O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória’ (Sl 118, 14). ‘No mundo haveis de sofrer tribulações: mas tende coragem! Eu venci o mundo!’ (Jo 16, 33)”. Também é possível perceber o que o homem sem acesso à Verdade Revelada, mesmo que visasse uma passagem pacífica e honrosa pela terra, muitas vezes sem apego, termina recorrendo somente ao “eu”, porém, mais como um refúgio de isolamento – o que é incompatível com a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo, segundo São Mateus: “Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens” (Mt. 5, 13). Neste ponto, lembrando o que o Apóstolo disse, como foi disposto no início do parágrafo, observe como se pode tirar proveito mesmo das lições de Sêneca quando coloca que “Não temos pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o suficiente e nos foi dada generosamente para a realização das mais altas empreitadas, se toda ela for bem empregada; mas quando se dissipa no luxo e na negligência, quando se gasta em nada de bom, só então, constrangidos pelo fim inescapável, sentimos que passou enquanto não percebíamos que passava” – uma boa reflexão, certamente, que põe mesmo o sujeito mais relapso em profundo questionamento a respeito das prioridades que elenca como importantes para sua vida.
4. É que o estoicismo se transforma em um problema na medida em que um “eu” se torna maior que Deus — mas quem vai explicar esta questão é G. K. Chesterton pela obra “Ortodoxia”. No quinto capítulo, “A Bandeira do Mundo”, ele não perde tempo e mata logo a charada: “Os últimos estoicos, como Marco Aurélio, foram exatamente as pessoas que de fato acreditaram na Luz Interior. A sua dignidade, seu tédio, sua triste preocupação exterior com os outros, sua incurável preocupação interior consigo, tudo se devia à Luz Interior, e existia apenas por iluminação sombria”, como a gnose obtida no oculto. Como o autor inglês gosta de deixar tudo muito claro, continua: “Dentre todas as formas concebíveis de iluminismo, a pior é o que essa gente chama Luz Interior. Dentre todas as religiões horríveis, a mais horrível é a adoração do deus interior. Qualquer que conheça alguém sabe como isso funciona; qualquer que conheça alguém do Centro do Pensamento Superior sabe como isso realmente funciona. O fato de o Silva adorar o deus interior em última análise significa que o Silva adora o Silva. Que o Silva adore o sol ou a lua, qualquer coisa em vez da Luz Interior; que o Silva adore gatos ou crocodilos, se conseguir encontrá-los na rua, mas não o deus interior”. É que a maneira estoica de pensar é a causa do trogloditismo contemporâneo, que não à toa acredita piamente ser bastião da virtude, especialmente da fortaleza, embora apenas condiga com uma mentalidade paganizada de isolamento, compatível com a covardia.

5. E o que é o trogloditismo contemporâneo em termos práticos? Antes de trazer uma boa resposta, talvez devesse adequar a linguagem ao dialeto troglodita original, qual seja, “uga buga, uga-uga”, mas não. Como posto antes, há quem na internet, principalmente nas mídias sociais como Instagram, Facebook e Youtube, repercuta uma concepção equivocada de masculinidade isenta do poder sentir, mesmo que consequentemente isto implique no indiferentismo aos sentimentos de um modo geral, sejam próprios ou do outro. Em um mundo repleto de máquinas com inteligência artificial e “pais de pets”, certamente há um sentimentalismo desordenado, responsável por propiciar uma sociedade distante da fortaleza, seja como virtude ou como um dom, uma vez que existe esta diferença, conforme São Tomás de Aquino aponta, que bem condiciona ela aos vícios opostos da covardia, indiferença e temeridade, diferindo a primeira da segunda naquilo que pode com próprias forças o homem afastar ou depende em exclusivo do Espírito Santo para isso. Há ainda na Suma Teológica um ato de igual nome que quer dizer martírio, relativamente aos que são perseguidos e mortos em nome de Jesus Cristo — o que é incompatível com uma “escola filosófica da fortaleza” baseada na “Luz Interior”. São Josemaria Escrivá, talvez mais objetivo, facilita o acesso para esta compreensão, assim como desejam sempre os físicos para suas fórmulas, resumindo isto tudo numa frase simples e elegante: “Toda a nossa fortaleza é emprestada.” (Caminho 728). Para quem mais isto poderia ser pedido emprestado? E a resposta se encontra justo no ponto “80” em “É Cristo que Passa”: “A ascética do cristão exige fortaleza, e essa fortaleza procede do Criador”. Por fim, lembrando do martírio de tantos santos e tendo ainda relação ao assunto ora abordado: “Em face da morte, sereno! — É assim que te quero. — Não com o estoicismo frio do pagão; mas com o fervor do filho de Deus, que sabe que a vida é mudada, não tirada. — Morrer?... Viver!” (Sulco 876).

6. No sétimo capítulo de “Ortodoxia”, qual seja, “A Eterna Revolução”, G. K. Chesterton relaciona novamente todas essas questões dizendo: “Foram aqui enfatizadas as seguintes proposições: primeiro, que algum tipo de fé é necessário em nossa vida até mesmo para melhorá-la; segundo, que algum tipo de insatisfação com as coisas como elas se apresentam é necessária até mesmo para sentir-se satisfeito; terceiro, que para se ter esse contentamento e descontentamento, ambos necessários, não basta ter o equilíbrio óbvio do estoico. Pois a mera resignação não tem a gigantesca leveza do prazer, nem a orgulhosa intolerância da dor. Há uma objeção vital ao conselho de simplesmente sorrir e suportar. A objeção é que se você simplesmente suportar, você não sorri. Os heróis gregos não sorriem; mas as gárgulas sim — porque são cristãs. E quando um cristão está satisfeito, ele se sente (no sentido mais exato da palavra) assustadoramente satisfeito; a sua satisfação é assustadora. Cristo profetizou toda a arquitetura gótica naquela hora em que gente nervosa e respeitável (gente como os que hoje fazem objeções ao realejo) objetava contra a gritaria dos moleques de rua de Jerusalém. Disse ele: “Se eles se calarem, as pedras clamarão”. Sob o impulso do seu espírito surgiram como um clamoroso coro as fachadas das catedrais medievais, apinhadas de rotos gritando e bocas abertas. A profecia se cumpriu: as próprias pedras gritam” — e o estoicismo não necessariamente apresenta esta obviedade, como será visto.

7. No “Manual de Epiteto” está dito: “No que toca a todas as coisas que promovem alegria ou entretenimento, ou as coisas úteis, ou as que são objeto de afeição, lembra de dizer, a título de acréscimo, do que se tratam, principiando pelas mais ínfimas; se gostas de um jarro, diz ‘Gosto de um jarro’, pois, se acontecer de ele se quebrar, isso não te perturbará; se beijas teu próprio filho ou esposa, diz que beijas um ser humano; com efeito, nesse caso, se ele morrer não te perturbarás com isso” — surreal! Um cristão, como posto, poderia explicar esse conteúdo realizando uma hermenêutica cristológica, pois se um filho deixa a terra rumo aos Céus, que seja Tua vontade satisfeita. Porém, como numa mesma locução objeto e homem são colocados como alvo da mesma finalidade, que é não ter sentimento algum, exceto uma falsa impressão de que, se isto é feito, logo nada poderá atingir a pessoa? No final de “Ortodoxia”, no nono capítulo, “A Autoridade e o Aventureiro”, G. K. Chesterton coloca a cereja no bolo: “A compaixão dele era natural, quase casual. Os estoicos, antigos e modernos, orgulham-se de ocultar as próprias lágrimas. Ele nunca ocultou as suas; mostrou-as claramente no rosto aberto ante qualquer visão do dia a dia, como a visão distante de sua cidade natal. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Solenes super-homens e diplomatas imperiais orgulham-se de conter a própria ira. Ele nunca a conteve. Arremessou móveis pela escadaria frontal do Templo e perguntou aos homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Digo-o com reverência; havia naquela chocante personalidade um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que ele encobria constantemente. Havia uma certa coisa que era demasiado grande para Deus nos mostrar quando ele pisou sobre nossa terra. As vezes imagino que era a sua alegria”.

8. Para um pagão, esses pensamentos dos estoicos modernos, lembrando que G. K. Chesterton os percebe também no presente, podem até importar, mas não conseguiriam jamais compreender aquilo que busca o cristão, especialmente pela virtude da fortaleza, através daquilo que ensinou Joseph Ratzinger, quando era cardeal, no segundo volume de “Ser Cristão na Era Neopagã”: “ Dia após dia devo lutar contra a minha preguiça, contra hábitos que me escravizam; contra os preconceitos para com o próximo, contra simpatias e antipatias, pelas quais me deixo arrastar, contra a busca do poder e a autocomplacência, contra o amesquinhamento e a ressignificação; contra a vileza e o conformismo, como também contra a agressividade e a prepotência. Dia após dia tenho de descer do trono e buscar aprender o caminho de Jesus. Dia após dia tenho de despojar-me das minhas seguranças, superar na fé os meus preconceitos; não decidir sozinho o que significa ser cristão, mas aprender da Igreja e deixar-me conduzir por ela. Dia após dia tenho de suportar os outros, como eles me suportam, visto que Deus suporta a todos nós” — e aqui está a enorme diferença em buscar forças em Deus ou no homem.
Portanto, aquele que é virtuoso, antes mesmo é alguém que procura agradar a Nosso Senhor e encontra por Ele, com Ele e n’Ele as forças necessárias para sua vida cotidiana, onde todo trabalho e estudo empreendido, deste jeito, torna-se serviço prestado em favor de Jesus Cristo e pavimentação para santidade.
9. Finalmente, como atingir a virtude da fortaleza? — alguém poderia perguntar. Teologias, filosofias e inúmeras experiências de pessoas vividas, estudadas, experimentadas na fé, poderiam trazer respostas para esta questão. Porém, dentre tantas possibilidades, importa perceber como um servo de Deus abre caminho à compreensão mais profunda, porém, com uma simplicidade que mesmo uma criança poderia entender. Assim sendo, observando registros do livro de Neemias, Joseph Ratzinger, ainda como consta no segundo volume de “Ser Cristão na Era Neopagã”, relembra: “Quanto mais aprendemos a conhecer Deus, mais podemos dizer com a sabedoria vétero-testamentária [relativo ao Velho Testamento]: “A alegria de Deus é a nossa fortaleza”. Automaticamente isto remete ao maior e o primeiro mandamento, qual seja, “amar a Deus sobre todas as coisas”, com aquilo que Ele mesmo explicou através do evangelista: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito.” (Mt. 22, 37). Portanto, aquele que é virtuoso, antes mesmo é alguém que procura agradar a Nosso Senhor e encontra por Ele, com Ele e n’Ele as forças necessárias para sua vida cotidiana, onde todo trabalho e estudo empreendido, deste jeito, torna-se serviço prestado em favor de Jesus Cristo e pavimentação para santidade.
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. A Virtude da Fortaleza no Ordinário Masculino. Enquirídio. Maceió, 23 jan. 2024. Disponível em https://www.enquiridio.org/2024/02/a-virtude-da-fortaleza-no-ordinario-masculino.html.

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