Arisia. Máfia dos Macacos. |
2. Na internet, crescem as apresentações multifacetadas da maneira estoica de pensar como se fosse “escola filosófica da fortaleza”, conforme um longo artigo do Brasil Paralelo que, por exemplo, não deixou de recorrer à subversão na tentativa frustrada de dizer que São Paulo teria recebido influência desta corrente de pensamento no intuito de legitimá-la no âmbito católico, omitindo uma das poucas fontes acadêmicas em português que aborda o assunto, enquanto utiliza as epístolas do Novo Testamento (na verdade somente a 1 Coríntios) como instrumento probatório do estoicismo, que por sua vez, como ideia (geralmente distorcia), transplanta-se no tempo e espaço ao centro do debate acerca do ordinário masculino por grupos como “Redpill”, “Incel” e “MGTOW”, que não passam de neoliberais mimados. Através do quinto capítulo de “As Ideias Têm Consequências”, Richard M. Weaver, embora exponha a questão da “solução liberal” relativa ao Estado, quando este procura substituir a religião pela educação, termina servindo ao proposito deste texto, especialmente quando explica: “Mas o tipo de educação que atinge seus objetivos da melhor maneira possível é a doutrinação sistemática e cotidiana dos cidadãos, levada a cabo pelos meios de informação e entretenimento”. Neste ponto é que a máxima de Epiteto poderia funcionar, qual seja, “O que é, enfim, ser educado adequadamente? É saber separar as coisas que estão sob nosso controle daquelas que não estão”, mas por meio de quais critérios? Ao cristão só há um: Cristo! Padre Francisco Faus explica no capítulo dezoito de "Tornar a Vida Amável”: “Quer dizer que tudo é uma questão de amor. Só o amor gera amor. Só o amor vivificado pela graça de Deus pode levar-nos a abraçar a dor e transformá-la por sua vez em amor a Deus e ao próximo. Esse é um prodígio especificamente cristão, infinitamente superior ao fanatismo suicida e à insensibilidade estoica”. Papa Francisco, por uma dimensão mais ampliada, alerta para cultura do indiferentismo, que é uma via até chegar nos pressupostos da insensibilidade do trogloditismo contemporâneo, dizendo: “o oposto mais frequente ao amor de Deus, à compaixão de Deus, é a indiferença”.
- O que é Estoicismo? (Brasil Paralelo).
- Paulo de Tarso e o Estoicismo (Leonardo dos Santos Silveira).
- Tornar a Vida Amável (Padre Francisco Faus).
- Não à Cultura da Indiferença (Papa Fransico).
- A Conquista das Virtudes (Padre Francisco Faus).
5. E o que é o trogloditismo contemporâneo em termos práticos? Antes de trazer uma boa resposta, talvez devesse adequar a linguagem ao dialeto troglodita original, qual seja, “uga buga, uga-uga”, mas não. Como posto antes, há quem na internet, principalmente nas mídias sociais como Instagram, Facebook e Youtube, repercuta uma concepção equivocada de masculinidade isenta do poder sentir, mesmo que consequentemente isto implique no indiferentismo aos sentimentos de um modo geral, sejam próprios ou do outro. Em um mundo repleto de máquinas com inteligência artificial e “pais de pets”, certamente há um sentimentalismo desordenado, responsável por propiciar uma sociedade distante da fortaleza, seja como virtude ou como um dom, uma vez que existe esta diferença, conforme São Tomás de Aquino aponta, que bem condiciona ela aos vícios opostos da covardia, indiferença e temeridade, diferindo a primeira da segunda naquilo que pode com próprias forças o homem afastar ou depende em exclusivo do Espírito Santo para isso. Há ainda na Suma Teológica um ato de igual nome que quer dizer martírio, relativamente aos que são perseguidos e mortos em nome de Jesus Cristo — o que é incompatível com uma “escola filosófica da fortaleza” baseada na “Luz Interior”. São Josemaria Escrivá, talvez mais objetivo, facilita o acesso para esta compreensão, assim como desejam sempre os físicos para suas fórmulas, resumindo isto tudo numa frase simples e elegante: “Toda a nossa fortaleza é emprestada.” (Caminho 728). Para quem mais isto poderia ser pedido emprestado? E a resposta se encontra justo no ponto “80” em “É Cristo que Passa”: “A ascética do cristão exige fortaleza, e essa fortaleza procede do Criador”. Por fim, lembrando do martírio de tantos santos e tendo ainda relação ao assunto ora abordado: “Em face da morte, sereno! — É assim que te quero. — Não com o estoicismo frio do pagão; mas com o fervor do filho de Deus, que sabe que a vida é mudada, não tirada. — Morrer?... Viver!” (Sulco 876).
6. No sétimo capítulo de “Ortodoxia”, qual seja, “A Eterna Revolução”, G. K. Chesterton relaciona novamente todas essas questões dizendo: “Foram aqui enfatizadas as seguintes proposições: primeiro, que algum tipo de fé é necessário em nossa vida até mesmo para melhorá-la; segundo, que algum tipo de insatisfação com as coisas como elas se apresentam é necessária até mesmo para sentir-se satisfeito; terceiro, que para se ter esse contentamento e descontentamento, ambos necessários, não basta ter o equilíbrio óbvio do estoico. Pois a mera resignação não tem a gigantesca leveza do prazer, nem a orgulhosa intolerância da dor. Há uma objeção vital ao conselho de simplesmente sorrir e suportar. A objeção é que se você simplesmente suportar, você não sorri. Os heróis gregos não sorriem; mas as gárgulas sim — porque são cristãs. E quando um cristão está satisfeito, ele se sente (no sentido mais exato da palavra) assustadoramente satisfeito; a sua satisfação é assustadora. Cristo profetizou toda a arquitetura gótica naquela hora em que gente nervosa e respeitável (gente como os que hoje fazem objeções ao realejo) objetava contra a gritaria dos moleques de rua de Jerusalém. Disse ele: “Se eles se calarem, as pedras clamarão”. Sob o impulso do seu espírito surgiram como um clamoroso coro as fachadas das catedrais medievais, apinhadas de rotos gritando e bocas abertas. A profecia se cumpriu: as próprias pedras gritam” — e o estoicismo não necessariamente apresenta esta obviedade, como será visto.
7. No “Manual de Epiteto” está dito: “No que toca a todas as coisas que promovem alegria ou entretenimento, ou as coisas úteis, ou as que são objeto de afeição, lembra de dizer, a título de acréscimo, do que se tratam, principiando pelas mais ínfimas; se gostas de um jarro, diz ‘Gosto de um jarro’, pois, se acontecer de ele se quebrar, isso não te perturbará; se beijas teu próprio filho ou esposa, diz que beijas um ser humano; com efeito, nesse caso, se ele morrer não te perturbarás com isso” — surreal! Um cristão, como posto, poderia explicar esse conteúdo realizando uma hermenêutica cristológica, pois se um filho deixa a terra rumo aos Céus, que seja Tua vontade satisfeita. Porém, como numa mesma locução objeto e homem são colocados como alvo da mesma finalidade, que é não ter sentimento algum, exceto uma falsa impressão de que, se isto é feito, logo nada poderá atingir a pessoa? No final de “Ortodoxia”, no nono capítulo, “A Autoridade e o Aventureiro”, G. K. Chesterton coloca a cereja no bolo: “A compaixão dele era natural, quase casual. Os estoicos, antigos e modernos, orgulham-se de ocultar as próprias lágrimas. Ele nunca ocultou as suas; mostrou-as claramente no rosto aberto ante qualquer visão do dia a dia, como a visão distante de sua cidade natal. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Solenes super-homens e diplomatas imperiais orgulham-se de conter a própria ira. Ele nunca a conteve. Arremessou móveis pela escadaria frontal do Templo e perguntou aos homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Digo-o com reverência; havia naquela chocante personalidade um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que ele encobria constantemente. Havia uma certa coisa que era demasiado grande para Deus nos mostrar quando ele pisou sobre nossa terra. As vezes imagino que era a sua alegria”.
8. Para um pagão, esses pensamentos dos estoicos modernos, lembrando que G. K. Chesterton os percebe também no presente, podem até importar, mas não conseguiriam jamais compreender aquilo que busca o cristão, especialmente pela virtude da fortaleza, através daquilo que ensinou Joseph Ratzinger, quando era cardeal, no segundo volume de “Ser Cristão na Era Neopagã”: “ Dia após dia devo lutar contra a minha preguiça, contra hábitos que me escravizam; contra os preconceitos para com o próximo, contra simpatias e antipatias, pelas quais me deixo arrastar, contra a busca do poder e a autocomplacência, contra o amesquinhamento e a ressignificação; contra a vileza e o conformismo, como também contra a agressividade e a prepotência. Dia após dia tenho de descer do trono e buscar aprender o caminho de Jesus. Dia após dia tenho de despojar-me das minhas seguranças, superar na fé os meus preconceitos; não decidir sozinho o que significa ser cristão, mas aprender da Igreja e deixar-me conduzir por ela. Dia após dia tenho de suportar os outros, como eles me suportam, visto que Deus suporta a todos nós” — e aqui está a enorme diferença em buscar forças em Deus ou no homem.
Portanto, aquele que é virtuoso, antes mesmo é alguém que procura agradar a Nosso Senhor e encontra por Ele, com Ele e n’Ele as forças necessárias para sua vida cotidiana, onde todo trabalho e estudo empreendido, deste jeito, torna-se serviço prestado em favor de Jesus Cristo e pavimentação para santidade.9. Finalmente, como atingir a virtude da fortaleza? — alguém poderia perguntar. Teologias, filosofias e inúmeras experiências de pessoas vividas, estudadas, experimentadas na fé, poderiam trazer respostas para esta questão. Porém, dentre tantas possibilidades, importa perceber como um servo de Deus abre caminho à compreensão mais profunda, porém, com uma simplicidade que mesmo uma criança poderia entender. Assim sendo, observando registros do livro de Neemias, Joseph Ratzinger, ainda como consta no segundo volume de “Ser Cristão na Era Neopagã”, relembra: “Quanto mais aprendemos a conhecer Deus, mais podemos dizer com a sabedoria vétero-testamentária [relativo ao Velho Testamento]: “A alegria de Deus é a nossa fortaleza”. Automaticamente isto remete ao maior e o primeiro mandamento, qual seja, “amar a Deus sobre todas as coisas”, com aquilo que Ele mesmo explicou através do evangelista: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito.” (Mt. 22, 37). Portanto, aquele que é virtuoso, antes mesmo é alguém que procura agradar a Nosso Senhor e encontra por Ele, com Ele e n’Ele as forças necessárias para sua vida cotidiana, onde todo trabalho e estudo empreendido, deste jeito, torna-se serviço prestado em favor de Jesus Cristo e pavimentação para santidade. Para referenciar esta postagem: ROCHA, Pedro. A Virtude da Fortaleza no Ordinário Masculino. Enquirídio. Maceió, 23 jan. 2024. Disponível em https://www.enquiridio.org/2024/02/a-virtude-da-fortaleza-no-ordinario-masculino.html.
Postar um comentário