24.10.25

Giordano Bruno, o Mago

Giordano Bruno (1548-1600) teve seus pensamentos rejeitados pelos católicos, anglicanos, calvinistas e luteranos até seu fim, uma tragédia em labaredas, queimado vivo numa fogueira no Campo de’ Fiori, em Roma, onde hoje há um monumento erigido pelos maçons para homenageá-lo.
Unbekannter Künstler. Giordano Bruno.
1. Que ele fosse preso por crime (seja ele qual for) ou só ignorado (se fosse ao menos possível), mas não queimado na fogueira! Maldito o homem que confia em outro em troca de Deus, pois desonra sua vontade, embota a memória da Santa Igreja e mancha os nomes de outros cristãos no mundo inteiro ao longo do tempo.

2. Mas o que ele fez, afinal de contas? Cuspiu na cruz ou coisa assim? Perguntas como essa, além de nada significarem, somente inflamam uma situação já resolvida, embora a amplitude dessa resolução não seja tão conhecida. Para entender as próximas colocações, precisar-se-ia antes saber de alguns detalhes históricos complexos, mas que neste artigo não vão ser abordados, uma vez que objetiva este blog, neste caso, apresentar a convergência sobre as ideias de Epicuro de Samos (341-270 a.C.), Averróis (1126-1198), Bruno e o iluminista Bernard Le Bovier de Fontanelle (1657-1757) no tocante à pluralidade dos mundos habitados, o que é colocado como absurdo daquele tempo até agora, ainda mais pelos dados obtidos pela ciência, que não observam nenhuma possibilidade de vida extraterrestre.

3. Em linhas gerais, conforme explicado por Benjamin Wiker em “Darwinismo Moral”, Epicuro admitia que havendo uma infinidade de átomos e combinações infindáveis entre estes, também o mesmo ocorre para mundos. Sendo verdade, então Deus criou outras realidades além desta, humana, em um outro lugar, numa outra galáxia, replicando ou criando algo novo, para além do que se entende por humanidade. Isto faz com que pensamentos a respeito do planeta hoje habitado se torne um ponto de relativização, donde as ideias se dirigem ao descobrimento de alternativas, como às várias designações alfanuméricas semelhantemente à “L 98-59 f”, “TRAPPIST-1” ou “HD 20794 d”, supostamente habitáveis (cujos dados científicos mais concluem no sentido de incapacidade para isto), podendo até sugerirem processos de terraformação em um futuro muito remoto. Acontece que isto não representa um problema em si, salvo por uma ideia de desprezo para com a Terra e uma inclinação crescente às ideologias eugenistas pelos governantes alinhados à globalização e empresas que exploram tal possibilidade em busca do poder monetário. Sintomas de sociedades em evidente declínio, sobretudo pelo abandono de projetos em benefício dos habitantes de um país para autopromoção e perpetuação à frente do poder. No tempo de Bruno, quando as coisas eram reais, ainda tendo prevalência contrária ao nominalismo, ninguém admitiu como possíveis seus devaneios, mostrando que não era somente uma questão dele com o clero da Igreja Católica, embora a intenção dele consista, neste ponto, somente na diluição da fé em proveito de um “macaco na máquina de escrever”.

4. Benjamin Wiker explica que tal “[...] crença [epicurista] é a origem do argumento do macaco na ‘máquina de escrever’, onde até um macaco, batendo aleatoriamente no teclado, conseguirá produzir sonetos shakespearianos, se tiver um tempo infinito para fazê-lo.”, restando entender a intenção dessa crença, que não parece ser outra além de “[...] possibilitar tempo e material suficientes para que a oportunidade substitua a inteligência: se o macaco pode substituir Shakespeare, então a possibilidade onipotente pode substituir Deus onipotente.” — o que é perceptível nas sociedades quantitativas, que por tal orientação meramente volumétrica admitem o que é qualidade, advindos da insistência, como se vê na ideologia eugenista dada pela sobrevivência do mais apto. Ou seja, nada importa se um ou um milhão se ao menos um conseguir, ainda que sejam sementes, embriões ou pessoas, como exposto nesta Carta Inquirida sobre Charles Darwin (1809-1882) e o plano eugenista contra a obra de Deus.

5. Os cristão creem na creatio ex nihilo (criação a partir do nada), onde Deus é o único eterno em face de coisas finitas, como é este planeta. Do materialismo de Epicuro, um próximo contato com tal acepção de pluralidade dos mundos habitáveis se dá em Averróis, quando ele procurava, contraponto as ideias já existentes de Al Ghazali (1058-1111), sustentar a infinitude da Terra, ou seja, de que ela deveria ser eterna. As implicâncias das afirmações averroístas são perceptíveis no período do Renascimento (1350-1600), em um maior ou menor grau de pregnância em certos autores, porém, fatalmente encontradas como constantes no pensamento de Bruno, donde, através dessas ideias, percorreu outras tantas até chegar nos pontos mais graves, incluindo as teses já combatidas por São Tomás de Aquino diante de afirmações equívocas da filosofia aristotélica sobre a unidade do intelecto, dentre outras. Neste ponto, como dito antes, levaria muito tempo discorrer sobre as causas e efeitos acerca desses tópicos, motivo pelo qual, para este artigo, importa validar a repercussão de concepções antigas até que pudessem alcançar ao menos os primórdios da modernidade, quando idêntica temática é retomada por Fontenelle no final do século XVII, praticamente 86 anos após aquele evento traumático ocorrido no Campo de’ Fiori, em Roma.

6. Todas as vezes que uma ideia puramente materialista é perpetuada no espaço e tempo, nota-se orbitando ao redor dela alguns outros problemas que envolvem a destruição do cristianismo. No que se pode notar disto tudo, as acepções acerca da pluralidade dos mundos habitáveis, de Epicuro até Fontenelle, sobreviveram ao menos 1956 anos! Durante esses quase dois séculos de difusão, pressupostos de correspondência entre entidades micro e macro parecem ser constantes e remontam preceitos védicos de reincarnação ou questões de cosmicidade (relativo ao cósmico unitário). Naquilo que Averróis atribuiu ao universal acerca do intelecto, Bruno transborda os limites da capacidade intelectiva e manifesta a separação do espiritual e material, onde para aquele toda substância se reduz ao unitário (uno), enquanto para este toda substância encontra sua redução numa tríade formada pela alma, Deus e a “inteligência primordial sobre todas as coisas”, conforme seu “Tratado de Magia”.

7. Bruno, portanto, apresentou uma cosmovisão que inseriu Deus dentro do próprio espaço e tempo, isento de transcendência, condicionando a “inteligência primordial” como um ente autônomo e nitidamente acima do Criador, pois atua “sobre todas as coisas” e é a “alma do universo”. Se equipara esses três entes no intuito de gerar uma tríade, como disse no “Tratado de Magia”, evidentemente deforma a Santíssima Trindade dada pelo Deus Pai, Deus Filho (Nosso Senhor, Jesus Cristo) e o Espírito Santo, uma vez que ela não pertence ao mesmo espaço imanente, embora atue nele, como quem, fora da piscina, possa ajudar alguém que procure por seu auxílio ao se aproximar das bordas. Neste ponto, tanto erra sobre isso quanto acerca da infinitude da Terra, já que os cientistas, de um modo ou de outro, sustentam que há um fim para tudo, incluindo o próprio homem e o planeta que habitam, mas não sem sequelas. Ou seja, se alguém prestar atenção em determinadas personalidades do âmbito da ciência, como é o caso de Carl Edward Sagan (1934-1996), reconhecido por sua contribuição na divulgação científica (o que é importante, contanto que desprovida de ideologismos), não vai estranhar que uma acepção parecida é percebida em colocações como “nós somos uma forma do Cosmos entender a si mesmo”, o que é possível se houver ao menos indiferença ao cristianismo, uma vez que ele, advindo de família judaica, resolvia-se em um escamoteado agnosticismo.
Observa-se como “mago”, algo que tenta apresentar como se fosse um cientista daquele momento, uma vez que inexistia ciência como agora.
8. Cada vez mais, quando as obras de Bruno terminam sendo visitadas, observa-se um distanciamento do cristianismo ao qual já pertenceu. Novamente em “Tratado de Magia”, além de tratar os cristão como não sendo ele mesmo um, ainda que tenha usado hábito da Ordem Dominicana, observa-se como “mago”, algo que tenta apresentar como se fosse um cientista daquele momento, uma vez que inexistia ciência como agora, tratando com desrespeito com sacerdotes católicos, especialmente os autores do Malleus Maleficarum, curiosamente elaborado por confrades dominicanos, quais sejam, Heinrich Santiago Kraemer (1430-1505) e Jakob Sprenger (1435-1438). Que sua intriga com tais frades possa até ser certa por causa do livro, nada se deve opor, pois, como obra contra heresias, acabou por ser problemática em circunstâncias específicas, inclusive à Santa Igreja — o que é válido avaliar noutro artigo (como o blog segue seu curso, vela a pena usar o menu de busca para checar se já não há algo publicado neste sentido). Porém, como a meta pretendida neste ponto é trazer a relação das ideias epicurista com uma sequência que atravessa esse período renascentista, mostrando as influências que foi sofrendo ao entrar em contato com outras concepções, mas que não parecem sem sintonia, flagra-se as disposições brunescas a respeito da unidade do intelecto, quando, citando os filósofos para validar sua acepção, conclui acerca do princípio da existência “que existe uma só matéria, um só espírito, uma só luz, uma só alma, um só intelecto”.

9. Nada nada há para usar em defesa dele, infelizmente. Ele foi queimado com uma talisca de madeira na boca, pois tagarelava absurdos aos ouvidos não apenas da época, como para os de agora. Além disso, Jesus Cristo, para esse “mago”, terminou sendo mostrado como sendo “um tal que tudo conseguia sozinho, e que não podia, contudo, curar aqueles que nele não criam”, pois, para Bruno, Nosso Senhor não era uma pessoa para fora daquela piscina, sempre nas bordas, estendendo suas mãos para todo fiel que procura por seu auxílio. Claro que uma imagem mais precisa desse mistério se vê no caminhar de Nosso Senhor sobre as águas e a fé de São Pedro para segui-lo em um curto tempo, pois enquanto n’Ele mirava, andava erguido entre as ondas, caindo assim que deixou de olhá-Lo na fração de um mísero segundo. Esta é a razão cristã do negar-se a si mesmo que incomoda os cientistas já afogados na loucura da vaidade, como se Deus pudesse ser uma invenção qualquer, passível das infelizes relativizações que acontecem cada vez mais atualmente. Ninguém duvida dos avanços da ciência no sentido de realizar feitos incríveis na medicina, engenharia, informática etc. Porém, também são inegáveis os prejuízos deste mesmo poder transformador da natureza quando isento da busca pelas coisas segundo o desejo divino, uma vez que, desta forma, resultados como bombas atômicas, ideologias subversivas ou mesmo empenhos eugênicos se tornam mais frequentes, ao ponto de serem normalizados. Ao certo, Bruno se tornou um arauto desse cenário cético, esterilizado, sintetizado. Dá pena de como chegou ao seu fim, mas não se iluda: ele não era idiota; sabia muito bem o que estava fazendo.
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. Giordano Bruno, o Mago. Enquirídio. Maceió, 24 out. 2025. Disponível em https://www.enquiridio.org/2025/10/giordano-bruno-o-mago.html.

Postar um comentário

Botão do WhatsApp compatível apenas em dispositivos móveis

Digite sua pesquisa abaixo