3.2.22

Fiódor Dostoiévski e o Agente da Mentira

Fiódor Dostoiévski em 1876 já percebia a movimentação russa sobre conflitos e contextualizava suas impressões enquanto cristão ortodoxo, contando o “paradoxalista” os desdobramentos filosóficos em proveito da guerra, defendendo sua utilidade no mundo com contundência argumentativa. Será que ele teria razão?
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Anatoly Shumkin. Jogador.
1. De início, visando possibilitar uma reflexão mais direcionada ao catolicismo, tome como parâmetro o catecismo. Lógico que inúmeros documentos da Santa Igreja, mesmo as Sagradas Escrituras, proporcionariam maiores aprofundamentos, mas não seriam oportunos nesta introdução ao pensamento, uma vez que poderiam tornar a proposta demasiadamente prolixa. Também não caberiam outras fontes filosóficas pela pretensão desta postagem ser realmente voltada à opinião católica contemporânea, tendo em vista a ampliação do acervo bibliográfico nesses últimos anos, incluindo acessos a pessoas renomadas através da internet, sejam em próprias plataformas ou em mídias sociais. Evidentemente que ler aquele capítulo dos Contos Reunidos de Fiódor Dostoiévski será requisito à sequência desta publicação. Abaixo segue link duma transcrição mais provável se comparada com tradução feita pela Editora 34.
2. Observe que uma verdade é diferente de um axioma, que por sua vez parece ser, porém, impossível de demonstrar, mesmo para contestar. Exemplo facilmente constatado no início do capítulo, quando o “paradoxalista” explica o fratricídio (quem mata o próprio irmão ou compatriota por extensão ao contexto) como causa da corrupção do Estado, sobretudo por seu prolongamento excessivo, donde aponta a brutalização do povo em séculos. Agora mesmo seria possível, abrindo oura guia do navegador, pesquisar por notícias que justificassem essa afirmação, induzindo o seguinte raciocínio: quando os conflitos cessam no âmbito externo, passam ao campo interno; portanto, evitar estes desdobramentos internamente requer empreendê-lo externamente. Dentro de um pensamento paradoxal as possibilidades se anulam, devendo a escolha ser sempre radical, suprimindo as mediações. Este pensamento poderia ser culturalmente russo, mas sua repercussão se dá em outras nações. Contudo, enquanto esta postagem estava sendo escrita, notícias traziam o acirramento entre Rússia e Ucrânia, donde uma ponderação foi realizada no podcast Rússia, Ucrânia e o Paiol Midiático, sendo necessário remontar que nos levantamentos históricos de Fiódor Dostoiévski, ambas já protagonizaram enfrentamentos, motivo pelo qual entender o presente requer conhecer o passado. Assim é que a mentalidade se apresenta no texto, quando a conclusão inevitável é a sustentação dos benefícios da guerra em oposição à paz, principalmente no fomento de ideias elevadas, definhadas na pacificidade demorada, donde surgem problemas como cinismo (desprezo por normas sociais), indiferença (podendo se manifestar no desdém pelos semelhantes) e escárnio maldoso como entretenimento – aqui é claro o exemplo do jornalismo sensacionalista da atualidade, embora a referência condiga com esportes impiedosos envolvendo agressividade contra pessoas ou animais. Novamente: tudo isso é aferível na modernidade, apresentando consistência verossímil em paralelo aos acontecimentos mais recentes.

3. Tecendo uma crítica sobre o capital, explica que depois da guerra o respeito e a valorização relativas à honra, amor ao próximo e sacrifício próprio aumentam, apresentando como contraponto, durante a pacificidade, supressão dessas virtudes pela ascensão dos acúmulos (materiais), fazendo surgir uma filosofia que aborda a incapacidade dessa riqueza grosseira de sentir prazer na grandeza de alma, uma vez que somente lhe apraz o carnal, daquilo que for concreto, resumindo seu pensamento numa ótica onde a volúpia suscita a sensualidade e que seu significado é crueldade. Questões que são colocadas à prova o tempo inteiro, fazendo qualquer um ponderar sobre as razões que possam justificar as ideias do “paradoxalista”, apesar de serem só limites da estrita condição dualista do tudo ou nada. Ao certo, deixa claro que não seria viável ponderar no sentido da harmonia, tolerância, caridade, pois, talvez, contrariasse uma maneira muito própria de pensar, embora seja exatamente igual no resto do mundo, afinal, quantos não estão tendo uma percepção de oito ou oitenta?

4. Impressiona o profetismo das colocações do “paradoxalista”, verdade, especialmente quando aborda a inveja, paixão que perdura mesmo entre os nobres cientistas, que sem aquela grandeza de alma, forjada depois da guerra (seguindo seu raciocínio), afastar-se-iam indubitavelmente da abnegação necessária daquilo que chamou por “fazer científico”, pois irão desejar participar do glamour, donde não haveria triunfo nas descobertas científicas diante do conquista da riqueza, prevendo, neste ponto, surgirem charlatões da ciência, incluindo a busca por efeitos espetaculares e acima de tudo o utilitarismo. Seria possível constatar esses desdobramentos na sociedade atual? Certamente em alguns lugares, mas não necessariamente no Brasil, embora seja possível identificar pesquisadores em universidades públicas que literalmente impedem o prosseguimento dos experimentos por inclinações particulares, desagregadas das necessidades da população, enquanto outros (talvez os impedidos), mesmo que com excelentes ideias, deixam de receber recursos, originando o problema do academicismo ideológico, bastando lembrar de pseudo-expoentes como Richard Dawkins e companhia limitada.
Trata-se somente de mentalidade belicosa, inquieta e eufórica, proveniente de um temperamento inflamado e visão obtusa acerca das possibilidades, sobretudo pela incredulidade.
5. Para não ficar tão extenso a conclusão, embora as situações que supostamente decorram da ausência de conflitos, quais sejam, cinismo, indiferença, escárnio maldoso como entretenimento, apenas refletem uma postura cultural baseada na subversão, donde as aspirações dependem do antagonismo como força motriz à mobilização social ao empreendimento de qualquer investida, seja bélica ou pacífica, alternativas, isentas de paradoxos, uma vez que são opções. Contudo, quando o “paradoxialista” elenca na sequência a valorização das riquezas, adiante também prevendo condutas que depreciam a ciência, apesar da imensa semelhança com paradigmas contemporâneos, estaria expondo condições da paz em tempo alongado? Evidentemente que não. Trata-se somente de mentalidade belicosa, inquieta e eufórica, proveniente de um temperamento inflamado e visão obtusa acerca das possibilidades, sobretudo pela incredulidade. Pessoas com aptidões desse gênero tendem a medir o mundo de acordo com próprias réguas, limitando e expandindo conforme suas convicções. Preocupa saber que gente com tais acepções, observando no texto de Fiódor Dostoiévski, compactuam com uma profecia que assegura que não deixará a espada de existir até aos fins dos tempos, sendo uma extração subvertida pela mesma lógica empregada na construção do argumento, pois está escrito exatamente o contrário! Através do engodo, qualquer leitor desprevenido poderá entender que Isaías profetizara a consumação última através das armas, embora anunciasse naquelas passagens a vinda de Jesus Cristo ao dizer que “com espadas forjarão arados e foices com as lanças. Não mais levantará a espada povo contra povo, nem jamais se exercitarão para guerra”, donde o Catecismo da Igreja Católica no artigo 2317 deixa nítido à nossa gente o antídoto para todo esse pensamento, brilhantemente colocado pelo autor russo nesse capítulo dos Contos Reunidos no certo intuito de demonstrar como dialogar com utilitaristas é frustrante ou preocupante no sentido de cristãos ou mesmo quem possua alguma espiritualidade acabar sendo induzido pelas teses apresentadas.

6. Como pode haver no catolicismo pessoas de nossa gente que aderem aos argumentos do “paradoxalista”, mesmo sabendo do artigo 2262 do Catecismo da Igreja Católica, quando aborda o Evangelho segundo São Mateus, trazendo o preceito que proíbe matar, incluindo a proibição da ira, do ódio e da vingança? Pior! Ignoram que Jesus Cristo, diante da ofensa, manda oferecer a outra face. Pede que ame seus inimigos! Acabando com qualquer possibilidade de conflito quando permitiu que levassem Ele, dizendo a Pedro que deixasse sua espada na bainha. Somente numa situação drástica a legítima defesa poderia ser empregada, mesmo assim, seguindo as ponderações apresentadas no parágrafo 2309 daquela doutrina, donde uma nação não poderia simplesmente oferecer seu povo em holocausto sabendo que podem e devem preservar aquilo que somente o Criador do céu e da terra concedeu, que é o dom da vida. Ainda no Catecismo da Igreja Católica está disposto no ponto 2264 o amor para consigo mesmo, levando em consideração a preponderância deste fundamento de moralidade diante de agressores que queiram provocar sua morte, embora, particularmente, julgar o homicídio caiba tão somente a Nosso Senhor, devendo no plano terreno serem respeitadas as leis contanto que não configurem perversão contra a humanidade. Porém, pensar em abnegar o sopro vital que nos anima é o mesmo que adotar uma religiosidade transcendental que rejeita o corpo em proveito do espírito, mesmo sabendo que este requer aquele para esta suposta tomada de consciência, restando indubitável a necessidade da matéria aos propósitos divinos, pois, caso assim não fosse, jamais existiríamos, motivo pelo qual preservar a própria integridade é proteger a vontade de Deus.

7. Observe como estão presentes na construção argumentativa de Fiódor Dostoiévski ideias de ira, ódio e vingança ao rememorar ultrajes sofridos pelos russos diante das imposições da Europa, lideradas pela França e Inglaterra, diante da reforma polonesa no período de 1863 a 1864, alegando, através do “paradoxalista”, causarem uma reação raivosa que não existia durante a guerra da Criméia, quando as investidas do czar eram combatidas por uma aliança daqueles franceses e ingleses, incluindo outras nações, restando exaltada a franqueza na guerra e surgimento de benefícios como honra, coragem, bravura ao invés de propostas pacíficas que buscavam a ordem na Polônia. Neste ponto, valeria constatar que desde tal época a Rússia vem buscando conquistar países fronteiriços, seja pela anexação de territórios por conflitos armados ou através de influências ideológicas, culminadas em políticas de Estado, como ocorreu através da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, donde o polaco São João Paulo II, enquanto Sumo Pontífice da Igreja Católica, reverteu pela Providência Divina, certamente com intercessão de Nossa Senhora, aquelas mazelas provocadas pelo pensamento soviético, cessando os poderes daquele grande bloco político e devolvendo aos países a dignidade de serem independentes. Atualmente, Vladimir Putin, seguindo esse forçoso paradoxo, almeja novamente invadir a Ucrânia.

8. Entenda: ninguém vai conseguir alterar uma mentalidade culturalmente fixada em princípios belicosos, historicamente confirmados e recordados por literaturas como encontradas neste capítulo de Contos Reunidos. Inclusive, Fiódor Dostoiévski conclui não adiantar discutir com sonhadores, apontando, naquela época de 1876, movimentações sobre questões aparentemente resolvidas, quando facilmente vislumbrou a guerra contra o Império Otomano, embora não pudesse antever o adversário ou quisera omitir na obra – talvez por questões editoriais mesmo. Entretanto, torna-se patente o modus operandi da Rússia quando em preparação para instaurar novos conflitos rumo ao ocidente ou mesmo oriente médio, únicas possibilidades de expansionismo ideológico ou mesmo territorial. Agora, contra a Ucrânia, país que perdeu sua região da Criméia (novamente), através de investidas de Vladmir Putin, presidente que determina o impedimento dos opositores, seja por prisão, seja por morte (tornando aquela república em um verdadeiro, apesar de velado, imperialismo pós-soviético), mobiliza sua população aos ímpetos do “paradoxialista”. Afinal de contas, nada mais certo estrategicamente ao incitar atritos diante de um mundo dividido por questões sanitárias. Enquanto a preocupação ocidental é livrar-se da pandemia, parece que aqueles que compactuam com ideologias paradoxais, para não dizer marxistas, continuam no mesmo ritmo de conquista. Será que não está evidente que pacificidade para mentes assim inexistem? Como alguém pode ao menos enxergar isso como positivo?
Declaram-se católicas, mas não exercem a catolicidade que deveria revestir suas condutas. Idolatram governantes totalitários ou suspeitos de forjarem uma democracia, quando na verdade tiranizam a população em direção aos conflitos políticos, religiosos, sociais etc.
9. Infelizmente, figurinhas carimbadas no Brasil são compatíveis com arquétipos como este do “paradoxialista”. Declaram-se católicas, mas não exercem a catolicidade que deveria revestir suas condutas. Idolatram governantes totalitários ou suspeitos de forjarem uma democracia, quando na verdade tiranizam a população em direção aos conflitos políticos, religiosos, sociais etc. Aqueles que são favoráveis à paz por uma filosofia belicosa não diferem da sanguinolência escarnecida por Fiódor Dostoiévski nesse capítulo de Contos Reunidos. Esses vão contra a Igreja Católica e inevitavelmente contra Nosso Senhor. Longe de julgar, mas não perceber a incompatibilidade de fé dessas pessoas, principalmente quando estão em posição de definir os rumos das nações, decretaria a anulação de todos os esforços empreendidos até agora, incluindo a própria doutrina divinamente inspirada. Aliás, aderir ao pensamento apresentado tão somente revelaria uma incidência ampliada das forças que querem destruir a criação por inveja do Criador, mas não entraria nessa discussão, uma vez que nessa cultura de “oito ou oitenta” é possível que queiram medir com próprias réguas os pecados alheios, precipitando perseguições que geraram inquisições em outros tempos. Respondendo à pergunta lançada na introdução da postagem: sim! Existe uma razão ao empreendimento da guerra, mesmo que diabólica, donde o livre arbítrio está para aqueles que desejam escolher o inferno, embora o agente da mentira continue repercutindo uma máxima da estratégia que diz que o ataque é a melhor defesa – mesma lógica do “paradoxalista”.
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. Fiódor Dostoiévski e o Agente da Mentira. Enquirídio. Maceió, 03 fev. 2022. Disponível em https://www.enquiridio.org/2022/02/fiodor-dostoievski-e-o-agente-da-mentira.html.

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