Na cultura ocidental, o termo "vazio" geralmente se vincula a algo depreciativo, que deve ser evitado. Um dos provérbios mais conhecidos e citados pelos anciões de costume luso brasileiro declara que "cabeça vazia é oficina do diabo". Esta perspectiva certamente possui raízes no pensamento católico, cuja influência pós cartesiana contribuiu para a divisão do bem e do mau. Entretanto, a parábola da xícara de chá está compreendida noutro contexto, sob um ponto de vista completamente diferente. Trata-se, portanto, de um profundo conto Zen.
Antes apresentar a parábola da xícara de chá, um breve comentário pertinente àquele provérbio é necessário, pois ele nunca fez tanto sentido como atualmente. Quantas pessoas à sua volta estão tentando dar sentido para suas vidas através de coisas que, por mais complexas que possam ser, simplesmente não possuem valor algum? Certamente você conhece alguém que esteja desnorteado o suficiente para abrir os acessos de sua mente para as trivialidades do mundo sem perceber que, na realidade, está sofrendo ansiosamente com as influências da mídia, governo, religião etc.
Para estas pessoas, que mais parecem mecanismos articulados por entidades malignas, somente o conhecimento os libertarão. Não se trata de ler jornais, revistas e didáticos, muito menos de assistir documentários, filmes e novelas no intuito de se informar, pois o ato de conhecer está muito além da mera percepção das informações. Aliás, nenhuma escritura, pronunciamento ou imagem é capaz de gerar sabedoria, uma vez que esta é o resultado obtido através do processo de conversão interior do significante em significado — e a parábola a seguir tem a ver com isso.
Certa vez, Nan-In, um conhecido mestre japonês contemporâneo da Restauração Meiji (iniciada no ano de 1868), recebeu um professor universitário que queria lhe inquirir sobre o Zen. Sem perder tempo, o acadêmico logo iniciou um prolongado discurso meramente intelectual sobre todas as suas dúvidas.
Enquanto o professor universitário tagarelava sem parar sobre todo aquele turbilhão de questionamentos que lhe ocorriam, Nan-In gentilmente lhe servia chá em sua xícara, enchendo-a na mesma proporção em que suas perguntas eram incessantemente realizadas, até o líquido começar a transbordar pela borda.
Observando impacientemente o chá transbordado pela borda, o acadêmico então decidiu intervir para que o mestre japonês percebesse que a sua xícara já estava completamente cheia, que ali não cabia mais nada! Com bastante paciência, Nan-In, então, disse-lhe: "assim como este recipiente, você se encontra inteiramente preenchido por opiniões e especulações; esvazie-se primeiramente para que eu possa lhe apresentar o Zen".
Este é o "vazio" da parábola da xícara de chá: uma condição mental para a absorção de novos conteúdos. Em outras palavras, alguém somente poderá conhecer realmente uma coisa se ela se esvaziar de seus pré julgamentos. Não há como explicar algo para quem somente diz: "ah, mas eu conheço isso diferente; ah, não foi assim que eu li; ah, dessa forma está errado". Se o cérebro aumentasse de tamanho todas as vezes que lhe ocorresse um pré conceito, as pessoas certamente iriam pensar com maior ponderação para que o órgão não transbordasse pelos ouvidos, olhos e boca.
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