25.12.24

Os “Anais” da Ciência no Brasil

Qualidade, no Brasil, terminou significando quantidade e nada mais. Para compreender esta conclusão, observar-se-á o impacto disto na área científica, embora se aplique em diversas outras, senão em todas, apresentando também uma explicação que impacta no país de um jeito ou de outro.
Simon Simonsen. Um Burro Puxando uma Carroça.
1. Em 2017, este blog publicou um breve artigo denominado “Democracia Quantitativa” (cujo teor pode ser solicitado pelo interessado: enquiridio@protonmail.com), avaliando que até mesmo uma forma de governo termina se corrompendo pelo fenômeno da validação por quantidade, onde a mera maioria determina o que é qualidade.

2. Ou seja, se maioria definir que uma coisa, agora, quer dizer outra, pouco importando se na realidade isso funciona. Quando a vontade do governo só se encontra na minoria, inverte-se os pesos no intuito do menor valer mais contra o maior, porém, novamente ignorando se funcionará — sendo este o pressuposto da validação por quantidade.

3. Neste ponto, quantidade, como se vê, torna-se argumento de qualidade. Se há maior produção científica em determinada universidade, logo esta receberá mais verbas do governo, apesar dos artigos publicados muitas vezes em revistas próprias não necessariamente representarem contributos científicos ao país ou em algum outro lugar.

4. As pesquisas científicas, em parte, ao invés de resultarem em benefícios à sociedade, tornam-se em pífios fóruns de fomentação ideológica, como se vê no artigo “Educando com o Cu”, que tem por objetivo positivar a palavra “cu” no intuito de “desconstruir uma heteronormatividade imposta socialmente”, mas que está numa revista com conceito “Qualis A3”.
5. Em suma, os conceitos “Qualis A”, que vão desde um ao quatro, indicariam "produções científicas" de “alto impacto”, segundo os critérios do CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação subordinada ao Ministério da Educação, que por sua vez depende do governo — releia o parágrafo segundo deste artigo.

6. Releu? Significa que quanto mais artigos houver acerca do empoderamento pelo ânus, maior será o peso disso na sociedade. Hoje, como está o Brasil? Ah! Um “cu”, mas com “Qualis A3”, ok? Um pesquisador sério deve estar frustradíssimo com uma merda dessa — perdão pelo termo chulo usado, mas foi tentando corroborar a “linguagem científica”.
Mais publicações, maior reconhecimento pelo Ministério da Educação ao aumento da nota para liberação de mais verba.
7. Dá dó ao assistir um podcast no qual Sérgio Sacani, pessoa instruída, realmente devotada à ciência (além de muito educada), precisa explicar que produção científica no Brasil se tornou um negócio focado em volume: mais publicações, maior reconhecimento pelo Ministério da Educação ao aumento da nota para liberação de mais verba — Voilà!

8. Em mídias sociais, quantidade é qualidade — ai de quem disser o oposto! Contudo, também é o motivo pelo qual um algoritmo filtra conteúdos para entregar ao usuário os mais prováveis de agradá-lo. Imagine a ciência no Brasil usando isso para filtrar merda entre tantos artigos sobre “cu”, mas com cheirinho de “Qualis A3”! Perdão, perdão...

9. Resta saber que tal fenômeno da validação por quantidade é passível daquele descrito em Como Programar um Cowboy, assim como outros mais — trocadilho inevitável. Por fim, aqueles que procuram dar qualidade às produções científicas no Brasil, certamente têm dificuldades, seja pelo desinteresse das universidades ou inadequação ideológica.
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. Os “Anais” da Ciência no Brasil. Enquirídio. Maceió, 25 dez. 2024. Disponível em https://www.enquiridio.org/2024/12/os-anais-da-ciencia-no-brasil.html.

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