1.5.24

Os Homens “deuses” no Catecismo

No ponto 460 do Catecismo da Igreja Católica existe uma questão no mínimo intrigante, advinda de Santo Atanásio, qual seja, “Porque o Filho de Deus fez-Se homem, para nos fazer deuses”, motivo pelo qual, antes de saber o significado disto, deve-se entender o contexto da afirmação.
Corrado Giaquinto. Santos na Glória.
1. Atanásio de Alexandria (296-373), Santo e Doutor da Igreja Católica, naquele tempo combatia as heresias de Ário (250-336), que diz que Nosso Senhor foi apenas um homem criado, jamais encarnado, e que a sua divindade foi desenvolvida por si ou foi adicionada pelo próprio Deus para acrescentar à sua humanidade — e o erro é tornar Jesus Cristo, enquanto criação, subordinado ao Pai e ausente da Santíssima Trindade, incluindo os problemas marianos decorrentes no nestorianismo, que por sua vez sobrevive no protestantismo sob aspectos modernos, identificados pela visão materialista de absolutamente tudo, como denunciado em Nestorianismo Contemporâneo.

2. Então, neste contexto, lembrando que daí ocorreram os concílios de Nicéia I e Constantinopla I e a formulação do Credo Niceno-Constantinopolitano, observa-se no ponto 54 do texto sobre “A Encarnação do Verbo” de Santo Atanásio (presente no vol. 18 da Patrística) a afirmação: “Ele se fez homem para que fôssemos deificados”.

3. Santo Atanásio, sobre isso, não diz à toa, visto que expõe a chave de compreensão na sequência do texto: “tornou-se corporalmente visível, a fim de adquirirmos uma noção do Pai invisível. Suportou ultrajes da parte dos homens, para que participemos da imortalidade” — e aqui está o cerne da coisa, qual seja, participação, pois fora reforçado o entendimento no Catecismo da Igreja Católica, naquele mesmo ponto 460, através de São Tomás de Aquino ao explicar: “O Filho Unigênito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses”.

4. Na Suma Teológica, São Tomás de Aquino, explicando as ordens angélicas, realiza um adendo que responde a interpretação dos homens “deuses” do ponto 460 no Catecismo da Igreja Católica: “Por participação, enfim, quando a atribuição não está no atribuído plenária, mas deficientemente; assim, os homens santos chamam-se deuses, participativamente.” (Ia Pars, Q. 108, Art. 5). Condição à deificação das pessoas, observada por Santo Atanásio cerca de 800 anos antes, repercutida em outra parte do trabalho do Doutor Angélico, neste ponto lembrada como reforço à compreensão, como é visto na resposta: “Deus é por essência a beatitude; pois é feliz, não pela obtenção ou participação de qualquer outra coisa, mas pela sua essência. Ao passo que os homens são felizes, como no mesmo passo diz Boécio, por participação, assim como são assim chamados deuses, por participação. Ora, a participação mesma da beatitude, pela qual dizemos que o homem é feliz, é algo criado.” (Ia IIae, Q. 3, Art. 1).

5. Contudo, observe como se formam as heresias partindo da questão participativa dos santos, como posta no ponto anterior deste artigo. Novamente recorrendo à Suma Teológica: “Outros, porém, ao inverso, ensinam a verdade em relação ao homem, mas a negam em relação a Deus. Pois, dizem que Cristo, sendo Deus e homem, é Deus, não por natureza, mas por participação, isto é, pela graça; assim como todos os varões santos se chamam deuses, mas, mais excelentemente, Cristo, que todos, por ter uma graça mais abundante. E assim, quando dizemos — Deus é homem — a palavra Deus não supõe um Deus verdadeiro e de natureza divina.” (IIa IIae, Q 16, Art. 1).

6. A heresia de Fotino (falecido em 376), apresentada anteriormente na transcrição do trecho da Suma Teológica, inverte os valores da deificação do homem para humanizar Nosso Senhor, tirando-lhe a divindade que já lhe pertence para afirmá-la na participação, notadamente advinda do arianismo.

7. Jesus Cristo é Deus. Ao encarnar, resolve fazer como todo humano, exceto pelo fato de Nossa Senhora ter concebido pela ação do Espírito Santo. Desta forma, mostra Nosso Senhor que todos podem participar da divindade n’Ele revelada, que são compatíveis com uma eternidade reservada aos santos.

8. Santidade que São Pedro exorta na epístola: “A exemplo da santidade daquele que vos chamou, sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito: Sede santos, porque eu sou santo (Lv 11, 44).” (1Ped 1, 15s). E o que diz que esses santos, “deuses” (sempre observe o “d” minúsculo no começo da palavra) por participação, estão, assim, perto de Deus? Neste ponto, ou se acredita na revelação canônica em São João na ilha de Patmos (Ap 8, 3), podendo levar tempo para tanto, ou se nega, porém, como fazem no protestantismo, mas tão somente para negarem a nítida intercessão dos santos em comunhão diante do trono de Nosso Senhor.
Mas não significa dizer que todos os membros, participantes desse mistério, sejam santos, nem que alguém possa se declarar assim sem que incorra em pecado e a incompatibilidade da santidade.
9. Portanto, os homens “deuses” no Catecismo da Igreja Católica são propriamente os santos, deificados no processo de santificação, que não acontece somente na canonização como ato formal, mas por todos os fiéis ao buscarem participar cotidianamente da divindade que é ser parte do corpo místico, revelado por Jesus Cristo em São Pedro na fundação da Santa Igreja, pois como pode a cabeça ser santa, mas seu corpo não? Mas não significa dizer que todos os membros, participantes desse mistério, sejam santos, nem que alguém possa se declarar assim sem que incorra em pecado e a incompatibilidade da santidade. Quem afirma ser como “deus”, vive hipnotizado pela malícia da serpente, sendo difícil entender o significado de “Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me.” (Lc 8, 23).
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. Os Homens “deuses” no Catecismo. Enquirídio. Maceió, 01 mai. 2024. Disponível em https://www.enquiridio.org/2024/05/os-homens-deuses-no-catecismo.html.

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